“O perdão e a
misericórdia, caminhos necessários para a paz”
Caros irmãos, chegamos à Quaresma do Ano 2016, Ano da Misericórdia!
Quaresma! Tempo forte para o
combate contra tudo o que impede o desabrochar da vida de Deus em nós. Neste
tempo privilegiado de graça, quero, como pastor desta Igreja, exortar-vos a
todos, caros fiéis, a que vivais em profundidade a preparação para a Páscoa.
Com efeito, a Quaresma é um tempo favorável para respondermos ao convite que o
Senhor nos faz à conversão. É tempo para aprofundarmos a nossa caminhada
espiritual com a preocupação de, reconhecendo as nossas fragilidades e as
nossas feridas interiores, obtermos a graça do perdão e da reconciliação, que
Jesus nos oferece.
Tendo em consideração o momento
actual que o país atravessa e à luz das exigências do tempo quaresmal, escolhi
como tema desta mensagem “o perdão e a
misericórdia, caminhos necessários para a paz”. Creio que todos estamos
de acordo em que a solução para os problemas que afectam a nossa actual convivência
social e política passa pelo recurso ao perdão e à misericórdia, tanto a nível
de grupos como a nível de toda a sociedade guineense. Por este motivo, achei
por bem dirigir esta mensagem não apenas aos cristãos católicos mas também a
todos os homens de boa vontade. E são muitos, graças a Deus!
No âmbito da fé cristã, o perdão
é um dom que Deus nos concede através do acto redentor de Seu Filho, Jesus
Cristo. O perdão de Deus é fruto do seu grande amor para connosco. Necessitamos
desse perdão sempre que pecamos “por pensamentos, palavras, actos e omissões”,
isto é, sempre que violamos a lei do amor, fundamento das nossas relações com
Deus e com os irmãos. O perdão que Deus nos concede está, todavia, dependente
do perdão que concedermos a quem nos ofendeu. “Perdoai-nos as nossas ofensas
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6, 12), ensinou-nos Jesus
a rezar, acrescentando: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o
vosso Pai celeste vos perdoará a vós” (Mt 6, 14).
É preciso perdoar para encontrar
misericórdia. “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”. Não é
fácil entender esta atitude da misericórdia porque estamos habituados a julgar.
Não somos pessoas que deem naturalmente um certo espaço à compreensão ou à
misericórdia. Para sermos misericordiosos, são necessárias duas atitudes. A
primeira é o conhecimento de nós mesmos: saber que temos feito tantas coisas
que não são boas: somos pecadores! Então, frente ao arrependimento, «a justiça de Deus transforma-se em
misericórdia e perdão». E com esta atitude de arrependimento, tornamo-nos mais
capazes de ser misericordiosos, porque sentimos sobre nós a misericórdia de
Deus.
A outra atitude para sermos
misericordiosos é «alargar o coração», porque «um coração pequeno» e egoísta é
incapaz de misericórdia. O coração grande não condena mas perdoa, esquece,
porque Deus perdoou os meus pecados. O homem e mulher misericordiosos têm um
coração grande, largo: desculpam sempre os outros e pensam nos seus pecados.
Este é o caminho da misericórdia que devemos pedir. Se todos nós, se todos os
povos, todas as pessoas, as famílias, os bairros, tivessem esta atitude, que
paz haveria no mundo, que paz haveria nos nossos corações! Porque a
misericórdia conduz-nos à paz.
O conteúdo central da mensagem de
Jesus, ao longo da sua vida, é o regresso a Deus, do qual nos afastámos pelo
pecado, e a instauração, entre nós, do amor como lei suprema. Por isso, os que
d’Ele se aproximavam ouviam-no dizer frequentemente: arrependei-vos,
convertei-vos, renascei de novo. A Igreja, consciente da missão que lhe foi
confiada, vai repetindo com determinação e veemência esse apelo. Com
insistência redobrada fá-lo, sobretudo, neste tempo da Quaresma. Com igual
determinação e veemência, nesta hora e no contexto sócio-político em que
vivemos, também eu vo-lo faço, a todos vós que acreditais em Jesus Cristo e a
todos vós guineenses de boa vontade: arrependamo-nos, convertamo-nos,
eliminemos das nossas vidas o mal, se queremos construir um mundo melhor, mais
justo e mais fraterno.
Concentrando a nossa atenção no
perdão, pergunte-se cada um a si mesmo: porque não uso os critérios e o
proceder de Deus, quando me sinto ofendido por alguém? Porque me preocupo tanto
em levá-lo a tribunal e não tanto em perdoá-lo? Porque não assumo o perdão como
expressão de misericórdia, de amor e o caminho mais seguro para restabelecer a
ordem ou a relação violada?
A todos, crentes ou descrentes,
cristãos ou muçulmanos ou animista, rogo encarecidamente que perdoemos. Os
momentos difíceis que atravessamos no nosso país, reclamam de nós esse gesto
para que comecemos a sair da crise em que estamos mergulhados. Fala-se de
reconciliação com frequência e algumas iniciativas têm sido tomadas neste
sentido. Também os políticos e os altos responsáveis do país proclamam aos
quatro ventos a sua necessidade. O que se tem conseguido com tantas palavras,
repetidas vezes sem conta? Infelizmente, parece que na Guiné-Bissau todos temos
boca para falar mas não temos ouvidos para ouvir; temos inteligência para
raciocinar mas não temos coração para amar e perdoar.
Provavelmente a ineficácia de tanta palavra reside em que
ninguém está disposto a perdoar. É que o perdão não tem a sua sede na
inteligência mas no coração. A inteligência reclama tribunais e “justiça”, o
coração oferece o perdão e quer a reconciliação. E, como muito bem dizia um
autor francês, “o coração tem razões que a razão desconhece”.
O perdão é uma oferta generosa
que, em si, não tem segundas intenções. Mal vai quem, por orgulho, arrogância,
teimosia ou por qualquer outro motivo, o não queira receber. Errado está quem
não perdoa; errado está quem recusa o perdão. Ambos se privam de reerguer as
suas vidas e de contribuir para o bem e a paz social; ambos se afundam num mar
de tempestades contínuas, geradoras de morte.
É provável que estejais à espera
de algumas palavras minhas sobre o actual momento que vivemos no país. Como eu
gostaria que essas palavras fossem expressão de alegria por reconhecer que o
país vive em paz e concórdia e que tudo corre com normalidade! Infelizmente o
que se vê vai em sentido contrário.
Quase todos os dias deparamos com
uma novidade que nos surpreende e confunde. Os factos, os comportamentos
anómalos estão aí, diante de todos. São do domínio público e por todos
comentados. O mais preocupante nesta situação é que ela envolve pessoas com
responsabilidades nos órgãos de soberania e noutras instituições que nos devem
merecer todo o respeito. É evidente que os nossos males têm origens diversas.
Muitos deles vêem de longe e agravaram-se nestes últimos anos. De certa maneira
é no conjunto da sociedade que eles radicam. Por isso o apelo que faço ao
perdão e à reconciliação é dirigido a todos. Todos estamos em falta e todos nos
devemos perdoar e reconciliar. Todavia, nem todos temos iguais
responsabilidades.
O que me perturba na situação
deplorável que vivemos é que, com o decorrer do tempo, não se notam sinais nem
vontade de se querer alterar uma tal situação.Tudo se radicaliza. E todos se
perguntam: o que é que se está a defender: posições pessoais ou os interesses
da Nação? A pergunta é séria e merece uma resposta. Não apenas uma resposta
oral de conveniência, mas uma resposta clara através de actos concretos e
promissores de uma efectiva mudança.
A situação actual afecta
gravemente a nossa vida colectiva. Priva-nos de satisfazer as mais elementares
necessidades, entrava o desenvolvimento em todas as suas vertentes,
nomeadamente económica, desarticula o normal funcionamento das instituições,
precipita-nos no desânimo e retira-nos a confiança no futuro, desacredita-nos
aos olhos do mundo, fomenta a emigração, afugenta os quadros, deixa-nos mais
pobres, mais inseguros, mais desamparados e mais isolados.
Mesmo assim, eu quero crer que
sairemos da crise, que teima em persistir por culpa nossa. Eu quero confiar nos
homens, no país, naqueles que nos governam, nos que têm qualquer tipo de
responsabilidade, nos que nos têm vindo a sobressaltar. Motivado por esta
crença é que vos escrevi esta mensagem como um contributo, que julgo oportuno e
útil. É possível sair da crise.
Se no nosso proceder detectamos
algo de negativo, não tenhamos medo de enfrentar a verdade, ainda que isso
muito nos custe, pois, só ela nos libertará, como dizia o apóstolo João e,
muito ao seu jeito, o repetia o saudoso D. Settimio. E a verdade libertar-nos-á
no momento em que agirmos em conformidade com ela, isto é, quando rectificarmos
o que está errado em nós. Não receemos a reacção do outro ou dos outros. Ela
será certamente positiva. A quem reconhece o seu erro e se mostra disposto a
corrigi-lo, dificilmente alguém oporá resistência e reclamará vingança, antes,
pelo contrário, não deixará de apreciar a coragem de um tal gesto e será levado
a proceder da mesma maneira, se se encontrar em situação idêntica. No fundo,
todos preferimos ter amigos e não inimigos. E transformar um “inimigo” num
amigo só nos trará benefícios e prestígio.
Pessoalmente estou convencido de
que se os esforços que alguns têm feito não nos têm levado a qualquer
resultado, isso tem acontecido simplesmente, porque ainda não criámos as
condições mínimas indispensáveis. Desunidos, divididos, agredindo-nos e
desacreditando-nos mutuamente, façamos o que fizermos, não chegaremos a lado
nenhum. Manter-nos-emos na tempestade que nos atormenta e o porto a que
queremos chegar permanecerá sempre distante e cada vez mais inacessível.
O que nos falta
então? Falta-nos, a cada um de nós: mudar a mentalidade, mudar o comportamento,
abdicar da pretensão de ser o detentor exclusivo da verdade, ter consciência,
se for esse o meu caso, que nenhum cargo, função ou curso académico, por mais
prestigiante que possa ser, me ilumina a inteligência de modo a não incorrer em
erro. O mais importante e urgente, nesta hora, é criarmos entre nós relações
verdadeiramente humanas, respeitadoras e pacíficas, que possibilitem uma sã
convivência social, sem recriminações, ódios e exclusões, onde cada um possa
dar o melhor de si mesmo e onde se estabeleça uma ordem verdadeiramente
democrática. Esta é a primeira exigência e a condição prévia para que as
instituições do Estado funcionem adequadamente.
Por isso, caros irmãos, assumamos
o perdão e a misericórdia como verdadeiros caminhos para a paz e como
pressupostos necessários para sairmos da crise em que nos encontramos.
Para os cristãos, uma Quaresma
frutuosa em Jesus Cristo e com a ajuda de Maria, nossa Mãe! Para todos
saudações amigas!
Bissau, 10 de Fevereiro de 2016
D. José Câmnate Na Bissign
Bispo
de Bissau
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