quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Homilia de D. José Camnate na celebraçao eucaristica de abertura



Queridos irmãos e irmãs,
Com esta solene concelebração inauguramos a primeira sessão do primeiro Sínodo Diocesano de Bissau, que tem como tema: «A Nova Evangelização». Esta temática responde a uma orientação programática para a vida da nossa Igreja, de todos os seus membros, das famílias, comunidades, e das suas instituições. Tal perspectiva se reforça pela coincidência com o início da celebração do 40º aniversário da criação da Diocese de Bissau, ao longo deste ano.
As leituras bíblicas, que compõem a Liturgia da Palavra desta missa de abertura do Sínodo, oferecem-nos dois pontos principais de reflexão: o primeiro sobre o anúncio do Evangelho e o segundo sobre a necessidade do diálogo, da fraternidade e da reconciliação.
1. Anúncio do Evangelho e testemunho de vida.
«Ide pelo mundo e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16, 15): tal é o mandato que Jesus ressuscitado, antes de subir ao Pai, deixou aos Apóstolos. «E eles, partindo, foram pregar por toda a parte» (Mc 16, 20).


A tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja. Evangelizar constitui, de facto, a sua identidade mais profunda. Ela existe para evangelizar. Como o Apóstolo Paulo, a Igreja pode dizer: «Porque, se anuncio Evangelho, não é para mim um motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar» (1Cor 9, 16).
A Igreja anuncia a Boa Nova não só através da proclamação da palavra que recebeu do Senhor, mas também mediante o testemunho de vida, pelo qual os discípulos de Cristo dão razão da fé, da esperança e do amor que neles existe (cf. 1 Ped 3, 15). Testemunhar o Evangelho com a palavra e as obras: eis a incumbência que a Igreja recebeu e que quer transmitir a cada baptizado.
À África oprimida por todo o lado por germens de ódio e violência, por conflitos e guerras, os evangelizadores devem proclamar a esperança da vida, radicada no mistério pascal. Precisamente quando a sua vida parecia, humanamente falando, condenada à derrota, é que Jesus instituiu a Eucaristia, para perpetuar no tempo e no espaço, a sua vitória sobre a morte. Por isso mesmo, este Sínodo, neste período em que a África em geral, e o nosso país em particular, sob determinados aspectos, se encontram em condições críticas, o nosso Sínodo quer apresentar-se como Sínodo da ressurreição e da esperança: Cristo, nossa Esperança, está vivo!
É necessário, portanto, que a nova evangelização seja centrada no encontro com a pessoa de Cristo. O primeiro anúncio deve ter como meta levar a fazer a experiência encantadora de Jesus Cristo. Tarefa esta, singularmente facilitada pelo facto de que o africano crê em Deus criador a partir da sua vida e da sua religião tradicional. E assim está aberto também à plena revelação de Deus em Jesus Cristo, o Deus-connosco. Jesus, a Boa Nova, é Deus que salva o homem africano da opressão e da escravatura.
A evangelização deve atingir o homem e a sociedade em todos os níveis da sua existência. Ela exprime-se, portanto, em actividades diversas, nomeadamente nas que foram tomadas especificamente em consideração por este sínodo: anúncio, reconciliação, família, educação, saúde, meios de comunicação social, justiça, inculturação, diálogo, etc.
2. Necessidade do diálogo, da fraternidade e da reconciliação.
A primeira de leitura de hoje nos mostra como as consequências do pecado “original” continuam na geração seguinte. Abel é um exemplo, tal como milhões de pessoas  inocentes ao longo da história até aos nossos dias foram vítimas da violência.
A história de Caim e Abel pode-se aplicar a cada um de nós, dado que o que é verdadeiro para Caim também o é para nós: quando experimentamos o ódio para os outros, quando nos encontramos em contraste com os outros, muitas das vezes não é porque nos fazem mal, mas porque não somos bons, não conseguimos suportar-lhes.
 Temos o melhor comentário desta página do Génesis na primeira carta de S. João, que nos faz ver que a razão do homicídio cometido por Caim é a malícia, a malvadez. O inocente é morto pelo malvado, é odiado porque faz o bem: «Caim que, sendo do Maligno, assassinou o seu irmão. E porque o assassinou? Porque as suas obras eram más, ao passo que as do irmão eram boas» (1Jo 3,12).
 O pecado, o ódio gera morte. É a primeira morte  violenta na humanidade: o  homicídio, o fratricídio. Se todos os homens são irmãos, todo o homicídio é um fratricídio. O homicídio nasce do ódio. O ódio é homicida desde o princípio. O ódio pode manifestar-se sob forma de rancor, antipatia, desprezo, desinteresse. Numa palavra, na não aceitação do lugar e da função do irmão.
Mas perante esta injustiça e violência, Deus não é indiferente, Ele fala e pede razão: «Onde está o teu irmão Abel?» (Gn 4, 9). Abel morreu, mas a sua voz se faz ouvir: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim» (Gn 4, 10).  E a voz do sangue é ainda mais forte. Esta voz grita não para pedir vingança, mas misericórdia e amor.
O desafio do diálogo, do perdão, da fraternidade, da reconciliação, é fundamentalmente o desafio da transformação das relações entre os homens, entre as  nações e entre os povos, na vida religiosa, económica, política, social e cultural. É o desafio do amor de Cristo por todos os homens, amor que o seu discípulo deve reproduzir na vida.
A evangelização continua o diálogo de Deus com a humanidade, um diálogo que atinge o seu cume  na Pessoa de Jesus Cristo. Por meio da cruz, Ele destruiu em Si mesmo a inimizade (cf. Ef 2, 16) que divide e afasta os homens uns dos outros.
Apesar de falarmos hoje de fraternidade, solidariedade, em África, como aliás noutras partes do mundo, o espírito de diálogo, de paz, de perdão e reconciliação ainda está longe de habitar no coração de todos os homens. As guerras, os conflitos, os comportamentos racistas e xenófobos ainda dominam demasiadamente o mundo das relações humanas.
A Igreja em África sente a exigência de se tornar lugar de autêntica reconciliação para todos, graças ao testemunho dado pelos seus filhos e filhas. Deste modo, mutuamente perdoados e reconciliados, poderão levar ao mundo o perdão e a reconciliação, que Cristo, nossa Paz (cf. Ef 2, 14), oferece à humanidade, através da sua Igreja.
Caso contrário, o mundo assemelhar-se-á cada vez mais a um campo de batalha no qual contam apenas os interesses egoístas e onde predomina a lei da força, que afasta inexoravelmente a humanidade da desejada civilização do amor.
A Igreja é chamada a ser instrumento do perdão de Deus na vida dos indivíduos e dos povos. As situações actuais das sociedades africanas e do nosso país em particular, obrigam a Igreja a pôr no centro da sua pregação e da sua acção a oferta do perdão de Deus. Como Igreja, somos todos chamados a quebrar as barreiras que não favorecem a unidade, a reconciliação, a paz e a justiça na nossa sociedade.
Estou pronto a sacrificar algo de mim mesmo para ser instrumento de justiça, de não-violência e de paz na minha comunidade ou no meu local de trabalho? Cada um é chamado a utilizar os seus próprios recursos para ajudar a Igreja e a sociedade inteira do nosso país a sair das suas crises.
Queridos irmãos e irmãs, confiamos a Deus o trabalho deste primeiro Sínodo Diocesano, com o sentimento vivo da comunhão dos santos invocando, em particular, a intercessão dos grandes santos evangelizadores. Colocamo-nos sob a proteção da Virgem Maria, Estrela da nova evangelização. Com ela, invocamos uma especial efusão do Espírito Santo, que ilumine do alto a nossa Assembleia sinodal e a torne fecunda para o caminho da nossa Igreja.

Paróquia S. João Baptista de Brá em Bissau, 13 Fevereiro de 2017

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