quarta-feira, 12 de outubro de 2016

BASIKUAI



A caminho do Sínodo
Perfis de cristãos exemplares 
por p. Zé Fumagalli

Ao regressar da Itália, em 2005, cheguei a Suzana sábado 9. No dia seguinte fui a Ejin para a santa Missa. Ninguém se mexe da sua tabanca, conforme as ordens recebidas: o surto de cólera já não está a fazer vítimas, mas ainda è preciso ser prudentes. Quem se mexe então sou eu, que vou visitá-los a todos.
Mas a Ana Assimatorue, de Jihunk acha que pode vir a Ejin para a Missa do Domingo, visto que na sua tabanca a cólera acabou desde semanas. Ainda mais: ela quer me contar como se passou a morte do marido, o BASIKUAI. A primeira coisa que diz é que o Basikuai apesar das dores lancinantes que sentia em todo o corpo, quis lavrar até os últimos dias: o tempo da chuva não pode ser desperdiçado: é o tempo em que se cultiva o que servirá para se alimentar ao longo do ano todo.
A narração da Ana na sua simplicidade é comovedora: enquanto ela fala eu revejo o Basijuai e o percurso da sua vida. Ele não era um gênio, não brilhava por inteligência. Também não era um líder e sabia-o. Tivera uma experiências infelizes na sua vida matrimonial, em passado, antes de encontrar o "caminho de Jesus". A mulher com que casara se foi embora tendo encontrado "um partido melhor". A seguir recebeu uma mulher "herdada" e queria continuar com ela. A mulher porém deve ter achado a casa do Basikuai como um "parque de estacionamento" à espera de alguém que a "rebocasse" para outra destinação. Finalmente encontrou a Ana, que também fora "corrida" por vários homens. Os dois, recusados pelos outros, se encontraram. E a seguir encontraram o "caminho de Jesus". Quando Basikuai veio dizer-me que queria entrar no camnho de Jesus e contou-me a sua história, mais uma vez agradeci a Deus "que revela os seus mistérios aos pequenos e humildes" e disse que manifestasse seu desejo também a sua esposa: se era o que Deus queria, os dois viriam juntos. E assim foi.
Já fazia anos que eu ia a Jihunk para a catequese, mas o grupo ainda não dava sinais de se querer empenhar seriamente. Os nossos encontros começaram ainda em 1973, com umas famílias; já estávamos em 1980 e ainda eu continuava a lá ir no rio, de bote, apesar de estar ainda longe a perspetiva do nascer duma comunidade. Até uns meus colaboradores e confrades me aconselharam a parar. Mas eu teimava- Em 1980 acontecem os primeiros batizados de Ejin, entre Suzana e Jihunk, e o encontro com Basikuai. Interessante é também o que se refere ao seu nome. Eu o escrevi assim como ele mo dizia, mas não fazia ideia do que podia significar em Felup e lho perguntei. Ele olhou para mim, sorriu e disse que não era um nome felup, era um nome "branku" de que ele gostou quando o ouviu, mas não sabia o que queria dizer. Tentava encontrar um nome que lhe semelhasse, mas não conseguia, até que ele disse que era também o nome duma festa. Acreditam? Tratava-se mesmo da Páscoa, pronunciada Pasikoa. Observei que deveria pronunciar o nome de maneira diferente, mas ele olhou para mim, sorriu entreabrindo aquela sua boca comprida, característica, e disse: "Eu não consigo pronunciar o meu nome como fazes tu, mas gosto dele, Basikuai". E Basikuai escrevi, mesmo como ele pronunciava; logo a seguir, mesmo pertinho colocámos um solene Pascoal e ele também gostou.
Mesmo uma pessoa simples! Quando tínhamos encontros de formação para animadores de comunidades, ele nunca faltava: sempre presente! Escutava com atenção, mas quando eu perguntava se a malta entendera minha exposição, sempre ele lá vinha abanando a cabeça e dizia: "Eu ainda não compreendi, repete outra vez por favor". Os colegas até faziam troça dele, amigavelmente mas nem sempre. Às vezes havia quem demonstrava impaciência. Mas ele queria entender!
Ao regressar a Jihunk, na sua comunidade, não ficava calado. Repreendia os colegas porque depois de tantos anos ainda não se decidiam e pegar a sério o caminho de Jesus. Mas os colegas eram na sua maioria mais velhos do que ele e, segundo sua tradição, ele devia calar: Ele nem sempre se conformava e os colegas iam isolando-o. Ele mo dizia e sorria porque, acrescentava, o mesmo acontecera também a Jesus! Na Páscoa de '95 foi batizado juntamente com a mulher e os filhos. Com eles foi batizada também outra família que já frequentava a catequese mais ou menos desde 1974. Naturalmente houve quen se achou indevidamente "ultrapassado" e não lho perdoou. Começaram uma oposição surda contra ele. Mas Basikuai nem se dava por achado. Tinha esta caraterística: era humilde, perguntava aos padrinhos e a mim próprio o que devia fazer como cristão, o que não devia fazer, e cumpria; queria ter a certeza de estar mesmo no caminho de Jesus.
Em 99 chegou o tempo da prova para toda a comunidade: participar ou não participar de práticas tradicionais que aas comunidades cristãs que os precederam julgaram incompatíveis com o caminho. O grupo dos colegas deixou-se arrastar em peso pela tabanca, mas Basikuai, com a sua família foi irremovível. Ele continuou sozinho, humilhado também pelos companheiros que zombavam dele. As restantes comunidades cristãs o apoiavam e ele aceitava, confiando também seus sentimentos a quem lhe expressava solidariedade. Sempre calmo, com seu sorriso caraterístico. Rezava muito. Passou a tempestade e ele continuou, serenamente, a ver se podia reconduzir no caminho os que se tinham afastado. Mas custava imenso esforço: eles não queriam aceitar sua ajuda.
Em 2004 começou a acusar dores nas costas. Ia tratar-se a YUTO, numa missão católica logo além fronteira. Fazia ida e volta. Às vezes demorava lá uns dias, mas sempre foi fiel à Missa no Domingo. Se não aparecia era porque estava na Missa de Yuto... o porque mesmo não conseguia vir de Jihunk a Ejin (cerca de 4 km na areia).
Ana continuava a contar-me o que acontecera: depois da minha saída Basikuai piorou. Da tabanca havia gente que o vinha visitar; dos vizinhos, um só apareceu.
Quando morreu, a oração do enterro foi dirigida pelo filho mais velho, o Augusto. Ao funeral veio toda a tabanca, mesmo toda, apesar de Basikuai ter sido o único que deixara o caminho da tabanca para percorrer o de Jesus. Quando estavam para o enterrar, Sibessihup, um homem da tabanca que antigamente participara dalguma catequese, avançou-se, impôs o silêncio e disse: "Este homem que estamos sepultando è um homem que fez bem. Se alguém adoecia, ele nunca faltava de o ir visitar, quem quer que fosse. Interessava-se dele e, se era o caso, era ele que ia até Suzana trazer os remédios de que precisava. O mesmo se alguma criança adoecia. Na verdade podemos dizer que estamos sepultando alguém que para nos foi como um pai..." A tabanca toda escutava e assentia: era assim mesmo. Eu escuto a viúva, Assimatorue que me está contando isso tudo e os meus olhos enchem-se de lágrimas, mas no meu coração mais uma vez agradeço a Deus que nos deu um cristão como Basikuai. O que é que se podia dizer de melhor dum cristão? Praticou a humildade, a fé, a caridade sem ostentação alguma, na máxima simplicidade, como a dizer: é natural que um cristão se porte assim, se não for assim, como é que podia ser cristão? Um dos "últimos" que se tornaram primeiros, assim com toda a simplicidade.....

Suzana 23.11.2009

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