A caminho do Sínodo
Perfis de cristãos exemplares
por p. Zé Fumagalli
Ao regressar da Itália, em 2005, cheguei a
Suzana sábado 9. No dia seguinte fui a Ejin para a santa Missa. Ninguém se mexe
da sua tabanca, conforme as ordens recebidas: o surto de cólera já não está a
fazer vítimas, mas ainda è preciso ser prudentes. Quem se mexe então sou eu,
que vou visitá-los a todos.
Mas a Ana Assimatorue, de Jihunk acha que
pode vir a Ejin para a Missa do Domingo, visto que na sua tabanca a cólera
acabou desde semanas. Ainda mais: ela quer me contar como se passou a morte do
marido, o BASIKUAI. A primeira coisa que diz é que o Basikuai apesar das dores
lancinantes que sentia em todo o corpo, quis lavrar até os últimos dias: o
tempo da chuva não pode ser desperdiçado: é o tempo em que se cultiva o que
servirá para se alimentar ao longo do ano todo.
A narração da Ana na sua simplicidade é
comovedora: enquanto ela fala eu revejo o Basijuai e o percurso da sua vida.
Ele não era um gênio, não brilhava por inteligência. Também não era um líder e
sabia-o. Tivera uma experiências infelizes na sua vida matrimonial, em passado,
antes de encontrar o "caminho de Jesus". A mulher com que casara se
foi embora tendo encontrado "um partido melhor". A seguir recebeu uma
mulher "herdada" e queria continuar com ela. A mulher porém deve ter
achado a casa do Basikuai como um "parque de estacionamento" à espera
de alguém que a "rebocasse" para outra destinação. Finalmente
encontrou a Ana, que também fora "corrida" por vários homens. Os
dois, recusados pelos outros, se encontraram. E a seguir encontraram o
"caminho de Jesus". Quando Basikuai veio dizer-me que queria entrar
no camnho de Jesus e contou-me a sua história, mais uma vez agradeci a Deus
"que revela os seus mistérios aos pequenos e humildes" e disse que
manifestasse seu desejo também a sua esposa: se era o que Deus queria, os dois
viriam juntos. E assim foi.
Já fazia anos que eu ia a Jihunk para a
catequese, mas o grupo ainda não dava sinais de se querer empenhar seriamente.
Os nossos encontros começaram ainda em 1973, com umas famílias; já estávamos em
1980 e ainda eu continuava a lá ir no rio, de bote, apesar de estar ainda longe
a perspetiva do nascer duma comunidade. Até uns meus colaboradores e confrades
me aconselharam a parar. Mas eu teimava- Em 1980 acontecem os primeiros
batizados de Ejin, entre Suzana e Jihunk, e o encontro com Basikuai.
Interessante é também o que se refere ao seu nome. Eu o escrevi assim como ele
mo dizia, mas não fazia ideia do que podia significar em Felup e lho perguntei.
Ele olhou para mim, sorriu e disse que não era um nome felup, era um nome
"branku" de que ele gostou quando o ouviu, mas não sabia o que queria
dizer. Tentava encontrar um nome que lhe semelhasse, mas não conseguia, até que
ele disse que era também o nome duma festa. Acreditam? Tratava-se mesmo da
Páscoa, pronunciada Pasikoa. Observei que deveria pronunciar o nome de maneira
diferente, mas ele olhou para mim, sorriu entreabrindo aquela sua boca
comprida, característica, e disse: "Eu não consigo pronunciar o meu nome
como fazes tu, mas gosto dele, Basikuai". E Basikuai escrevi, mesmo como
ele pronunciava; logo a seguir, mesmo pertinho colocámos um solene Pascoal e
ele também gostou.
Mesmo uma pessoa simples! Quando tínhamos
encontros de formação para animadores de comunidades, ele nunca faltava: sempre
presente! Escutava com atenção, mas quando eu perguntava se a malta entendera
minha exposição, sempre ele lá vinha abanando a cabeça e dizia: "Eu ainda
não compreendi, repete outra vez por favor". Os colegas até faziam troça
dele, amigavelmente mas nem sempre. Às vezes havia quem demonstrava
impaciência. Mas ele queria entender!
Ao regressar a Jihunk, na sua comunidade,
não ficava calado. Repreendia os colegas porque depois de tantos anos ainda não
se decidiam e pegar a sério o caminho de Jesus. Mas os colegas eram na sua
maioria mais velhos do que ele e, segundo sua tradição, ele devia calar: Ele
nem sempre se conformava e os colegas iam isolando-o. Ele mo dizia e sorria
porque, acrescentava, o mesmo acontecera também a Jesus! Na Páscoa de '95 foi batizado juntamente com a
mulher e os filhos. Com eles foi batizada também outra família que já
frequentava a catequese mais ou menos desde 1974. Naturalmente houve quen se
achou indevidamente "ultrapassado" e não lho perdoou. Começaram uma
oposição surda contra ele. Mas Basikuai nem se dava por achado. Tinha esta
caraterística: era humilde, perguntava aos padrinhos e a mim próprio o que
devia fazer como cristão, o que não devia fazer, e cumpria; queria ter a
certeza de estar mesmo no caminho de Jesus.
Em 99 chegou o tempo da prova para toda a
comunidade: participar ou não participar de práticas tradicionais que aas
comunidades cristãs que os precederam julgaram incompatíveis com o caminho. O
grupo dos colegas deixou-se arrastar em peso pela tabanca, mas Basikuai, com a
sua família foi irremovível. Ele continuou sozinho, humilhado também pelos
companheiros que zombavam dele. As restantes comunidades cristãs o apoiavam e
ele aceitava, confiando também seus sentimentos a quem lhe expressava
solidariedade. Sempre calmo, com seu sorriso caraterístico. Rezava muito.
Passou a tempestade e ele continuou, serenamente, a ver se podia reconduzir no
caminho os que se tinham afastado. Mas custava imenso esforço: eles não queriam
aceitar sua ajuda.
Em 2004 começou a acusar dores nas costas.
Ia tratar-se a YUTO, numa missão católica logo além fronteira. Fazia ida e
volta. Às vezes demorava lá uns dias, mas sempre foi fiel à Missa no Domingo.
Se não aparecia era porque estava na Missa de Yuto... o porque mesmo não
conseguia vir de Jihunk a Ejin (cerca de 4 km na areia).
Ana continuava a contar-me o que acontecera:
depois da minha saída Basikuai piorou. Da tabanca havia gente que o vinha
visitar; dos vizinhos, um só apareceu.
Quando morreu, a oração do enterro foi
dirigida pelo filho mais velho, o Augusto. Ao funeral veio toda a tabanca,
mesmo toda, apesar de Basikuai ter sido o único que deixara o caminho da
tabanca para percorrer o de Jesus. Quando estavam para o enterrar, Sibessihup,
um homem da tabanca que antigamente participara dalguma catequese, avançou-se,
impôs o silêncio e disse: "Este homem que estamos sepultando è um homem
que fez bem. Se alguém adoecia, ele nunca faltava de o ir visitar, quem quer
que fosse. Interessava-se dele e, se era o caso, era ele que ia até Suzana
trazer os remédios de que precisava. O mesmo se alguma criança adoecia. Na verdade
podemos dizer que estamos sepultando alguém que para nos foi como um
pai..." A tabanca toda escutava e assentia: era assim mesmo. Eu escuto a
viúva, Assimatorue que me está contando isso tudo e os meus olhos enchem-se de
lágrimas, mas no meu coração mais uma vez agradeço a Deus que nos deu um
cristão como Basikuai. O que é que se podia dizer de melhor dum cristão? Praticou
a humildade, a fé, a caridade sem ostentação alguma, na máxima simplicidade,
como a dizer: é natural que um cristão se porte assim, se não for assim, como é
que podia ser cristão? Um dos "últimos" que se tornaram primeiros,
assim com toda a simplicidade.....
Suzana
23.11.2009
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