quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Carlos Ampajigar



A caminho do Sínodo
Perfis de cristãos exemplares 
 padre Zé Fumagalli
O Ampajigar era um tipo resoluto, destemido, dos que "se lançam". Foi soldado e brilhou pela sua coragem. Quando decidiu casar, topou no primeiro imprevisto: a sua noiva, ela também de Ehlalab, era cristã, batizada no Gâmbia. Foi como que o anzol com que Jesus o "pescou". Veio falar comigo, começamos a catequese em preparação ao casamento e... se apaixonou por Cristo. Logo quis empreender também a caminhada catecumenal. Não perdia uma palavra. Perguntava por tudo.
Tornou-se um dos membros mais ativos da nascente comunidade de Ehlalab, frequentou os encontros periódicos para formação de animadores e ajudantes catequistas e ofereceu-se para ir ajudar a caminhada do grupo de Jihunk, tabanca tradicionalmente inimiga. Todas as semanas "queimava" meio dia de trabalho para ir dar catequese, informando-me sempre de como procedia. Também compreendia que não custa pouco esforço o tentar estar presente em todas as comunidades estando continuamente sob a pressão dos que não queriam que o caminho cristão deitasse raízes nelas. Ele expunha-se em primeira pessoa, mesmo como o Demba a Suzana: quando havia alguma "trovoada" a pairar em cima dos cristãos, que aliás ainda eram catecúmenos, lá na frente, na primeira linha sempre estava ele.
A primeira filha que tiveram, a Titina, faleceu em Novembro de 85 com três anos de idade. Tive medo por ele e sua esposa, atendendo também aos comentários "ferozes" dos que estavam "contra". Não se mexeu de um centímetro, apesar do grande sofrimento! Infelizmente... o vinho o derrotou. Bebeu até se embriagar. Foi uma ves, mas não foi só uma. Outras seguiram, até que uma noite, bêbado, bateu na mulher: tiveram que intervir os amigos para o calmarem, e custou: apanhou uma sova a valer! Foi um autêntico escândalo e ele sentiu-se muito humilhado. De acordo cm a comunidade, ficou suspenso do serviço de "catequista" de Jihunk e outro tomou seu lugar. Sofria muito. Implorava que o ajudássemos a parar de beber. Irmã Maria, enfermeira, disse-lhe que havia uns comprimidos que podiam ajudar, mas era preciso o acompanhamento por parte de um médico porque podia haver perigo... Nunca mais me deixou estar tranquilo, pedia-me continuamente os tais comprimidos.
Um belo dia falei-lhe claro: o melhor comprimido existia e estava a seu alcance, na sua cabeça, no seu coração. Que considerasse a sua família e a responsabilidade que tinha para com ela, que olhasse para Cristo Jesus que o chamara para ser cristão e catequista e lhe dera qualidades suficientes para poder ajudar também outros, que esperavam por ele; e que rezasse, que Jesus só esperava por aquilo para o ajudar; eu também continuaria a apoiá-lo com a minha oração, juntamente com a sua mulher que já rezava por ele... Acordou. Decidiu. Nunca mais provou vinho, nem um pingo. Non mo disse logo, queria ter a certeza de ter conseguido. Quem me informou foi a mulher. Seguíamos trepidantes o evoluir da situação. Manteve-se firme na decisão tomada.
Depois de uns meses, juntamente com a comunidade, decidimos que podia retomar o serviço como "catequista" de Jihunk. Naquele dia a bicicleta com que arrancou parecia ter motor!... No regresso, em companhia dum amigo, um pneu da bicicleta teve um furo. O amigo tinha bomba e remendo e o ajudou, mas a cola não era preciso: era só descascar um ramo da planta do "fole" e lá tinha a cola de que precisava. Quando estava perto da árvore, pisou uns espinhos que o feriram no pé. Não fez caso, os extraiu rapidamente, consertou a bicicleta e prosseguiu a viagem de regresso. Uma vez chegado a Suzana, queria prosseguir para Ehlalab, mas a cabeça lhe doía demais. Um amigo o aconselhou a ficar e até o levou ao enfermeiro. O diagnóstico foi terrível: no meio das feridas dos espinhos havia o sinal inconfundível duma picada de cobra: Demasiado tempo passara para que qualquer remédio ainda conseguisse parara a avançada do veneno no organismo. E faleceu.
Eu estava em Bissau por causa dum trabalho que o Bispo me confiara. Logo que fui informado regressei a Suzana, mas cheguei só depois do enterro: havia gente de todas as comunidades. Fui a Ehlalab, rezar a Missa, falei com a mulher, vi as crianças: quatro mais uma a chegar. Foi uma pancada a valer, para eles como para nós todos. Enquanto là estava surpreendi-me mais de uma vez a procurar também a sua cara no meio das outras, como acontecia nas nossas reuniões quando esperava uma resposta. Com a comunidade de Ehlalab estamos perto da família e lhe damos apoio. No entanto rezamos pedindo a Deus que faça surgir outros "operários" para esta igreja e que .... os deixe trabalhar por mais tempo, visto que trabalho não falta. Será que não é bem rezar desta forma?

Suzana, 2.12.1995


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