segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Algumas reflexões sobre o tema do Ano Pastoral


Tema do ano pastoral:
A NOVA EVANGELIZAÇAO AO SERVIÇO
DA FÉ E DO DISCERNIMENTO VOCACIONAL

Caros irmãos e irmãs em Cristo,
Gostaria de partilhar convosco algumas reflexões que achei pertinentes sobre o  tema deste novo Ano Pastoral 2018/2019: “A nova evangelização ao serviço da fé e do discernimento vocacional”.
O tema escolhido nos permite de estar em comunhão com a Igreja universal (vejam-se os dois últimos sínodos: o de 2012 sobre a “Nova evangelização”, e o atual que começou no dia 3 de outubro, sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”) e com a nossa Igreja particular, que acaba de celebrar o seu primeiro Sínodo Diocesano, cujo tema principal de reflexão era “A nova evangelização”.
Importa sublinhar que no título não se faz menção dos “jovens” para dar ao tema um carácter mais universal e abrangente. Com efeito, a fé e o discernimento dizem respeito a todos os fiéis católicos independentemente da sua idade, embora evidentemente o discernimento vocacional é próprio da faixa etária dos jovens que ainda estão a procura do seu futuro. Mas todos estamos a caminho e procuramos constantemente a nossa vocação na Igreja e na sociedade.
O tema será desenvolvido da seguinte forma: primeiro, explicação e conteúdo do título e, segundo, desafios pastorais para a nossa diocese e as suas diferentes estruturas pastorais (vigararias forâneas, comissões, paróquias, movimentos de apostolado e associações).

1.      A nova evangelização
Hoje em dia a expressão “nova evangelização” é muito popular e frequentemente usada, embora nem sempre especificando o seu conteúdo, objetivos e destinatários.
O termo foi usado pela primeira vez pelo papa João Paulo II em Nova Huta (Polónia) em 1979. Retomando a mesma expressão, na reunião do CELAM em Port-au-Prince, em 1983, especificou que a “nova evangelização deve ser nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões”.
Finalmente, o papa Bento XVI criou o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, em 2010 com o objetivo de imprimir uma nova dinâmica ao processo de evangelização do mundo moderno.
 A nível doutrinal, os dois últimos papas pronunciaram-se repetidamente sobre o assunto:
a)    Papa Bento XVI dedicou um parágrafo do III capítulo da sua exortação apostólica pós-sinodal Africae munus (=O compromisso da África) a esta temática (cf. AM 159-171), onde ele esclarece em que sentido se deve entender a nova evangelização no contexto africano.
Em particular, ele sublinha estas características:
- “O anúncio do Evangelho deve reencontrar o ardor dos primórdios da evangelização do continente africano, atribuída ao evangelista Marcos… Com gratidão, é preciso aprender o entusiasmo dos numerosos missionários que, durante vários séculos, sacrificaram a vida para levar a Boa Notícia aos seus irmãos e irmãs africanos” (n. 164);
- “Para renovar-se “a missio ad gentes deve caminhar lado a lado com a nova evangelização; não são raras, mesmo na África, as situações que requerem uma “nova apresentação do Evangelho, ‘nova no seu entusiasmo, nos seus métodos e nas suas expressões’. De modo particular, a nova evangelização deve integrar a dimensão inteletual da fé na experiencia viva do encontro com Jesus Cristo presente e operante na comunidade eclesial” (n. 165);
- Para que isso aconteça, “é indispensável empregar os novos métodos que hoje temos à nossa disposição” (n. 166);
- A nova evangelização “é uma tarefa urgente para os cristãos na África, porque também eles devem reavivar o seu entusiasmo de pertencer à Igreja… chamados a viver a Boa-Nova e a anunciá-la com renovado zelo… empregando para a sua difusão os novos métodos” (n. 171).
b)   Por seu lado, o Papa Francisco, colocando-se na linha do seu predecessor, afirma na sua exortação apostólica Evangelii gaudium (=A alegria do Evangelho) que:
- toda a novidade vem de Jesus Cristo que “é sempre jovem e fonte de constante novidade… Com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a acção evangelizadora autêntica é sempre «nova» ” (n. 11).
- A nova evangelização interpela a todos, realizando-se fundamentalmente em três âmbitos: a pastoral ordinária; a evangelização das pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências do Batismo (re-evangelização); e o anúncio àqueles que não conhece Jesus Cristo (missão ad gentes) (cf. n.14).
- O Papa espera que “todas as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da Terra” (n. 25).

2.      A fé e o discernimento vocacional
A nova evangelização exige uma fé sólida e um discernimento vocacional entendido como um processo paciente que acompanhe as pessoas durante todas as etapas da sua vida. Todavia, o hodierno contexto sociocultural e religioso não parece ajudar muito nisso.
Como fizemos para o 1° ponto, vamos primeiro definir o sentido dos termos e depois passar a individuar os desafios pastorais que o mundo de hoje coloca aos cristãos.

a)      A fé. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a fé é “um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele”, que não se opõe à razão e a liberdade humanas, pelo contrário, as eleva e fortalece (CIC 153-154).
Mas como se acredita? Vale reafirmar que «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» ” (Deus Caritas est 1; EG 3). A partir deste encontro toma forma uma experiencia que transforma a existência, orientando-a de forma dialógica e responsável. Ao crescer, todo jovem percebe que a vida é maior do que si mesmo, que ele não controla tudo de sua existência; toma consciência de que é o que é graças ao cuidado que outros, em primeira instância os seus pais, reservaram-lhe; ele convence-se de que, para viver bem a sua história, deve tornar-se responsável pelos outros, repropondo esses comportamentos de cuidado e serviço que o fizeram crescer. (Instrumentum Laboris 82; doravante IL)
Como vivem os jovens de hoje a sua fé? Ela dá sentido às suas vidas? Eis alguns desafios:
-   Segundo o resultado dos inquéritos, os jovens de hoje experimentam uma real dificuldade em “sintonizar-se” com a religião, que perdeu aos seus olhos o valor que tinha antigamente. “Em geral, declaram-se abertos à espiritualidade, mesmo que o sagrado seja frequentemente separado da vida quotidiana. Muitos veem a religião como uma questão privada e consideram-se espirituais, mas não religiosos (no sentido de pertencer a uma confissão religiosa). A religião não é mais vista como o caminho de acesso privilegiado ao sentido da vida, e é acompanhada e, por vezes, substituída por ideologias e outras correntes de pensamento, ou pelo sucesso pessoal ou profissional.” (IL 29).
-   A própria figura de Jesus é questionada. “Muitos O reconhecem como o Salvador e o Filho de Deus e muitas vezes se sentem próximos a Ele através de Maria, sua mãe. Outros não têm um relacionamento pessoal com Ele, mas O consideram um bom homem e uma referência ética. Para outros ainda, é uma figura do passado sem relevância existencial ou muito distante da experiência humana (assim como a Igreja é vista como distante).” (IL 30).
-   A Igreja. A Igreja em África, embora goze de muita estima, parece “mole”, ou “fraca” diante das solicitações vindas da cultura tradicional (fanado, choro) e de outras tradições importadas (carnaval, etc.). Muitos cristãos pedem que a Igreja tome posições claras diante da RTA (Religião tradicional africana), mas os nossos pastores hesitam. Os jovens africanos sonham com uma Igreja local autónoma, que não alimente a dependência, mas que seja uma contribuição viva para suas comunidades. (cf. Documento preparatório, parte I, 3). Hoje os jovens procuram uma Igreja autêntica: transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa, acessível, alegre e interativa com a comunidade.
b)      O discernimento vocacional. O discernimento vocacional é “o processo com que a pessoa, em diálogo com o Senhor e à escuta da voz do Espírito, chega a fazer as opções fundamentais, a começar por aquela sobre o estado de vida.” (Documento preparatório, II, 2). Supõe a capacidade de saber ler e interpretar os acontecimentos da vida, que são em si mesmos mudos ou ambíguos, confrontando-os com os desejos, sentimentos e emoções que eles suscitam na interioridade da pessoa.
Neste processo de discernimento é de capital importância a palavra de Deus que ajuda a iluminar as intenções e os propósitos e purifica os desejos. Este trabalho de interpretação realiza-se num diálogo interior com o Senhor, com a activação de todas as capacidades da pessoa. (cf. Ibidem).
O mesmo documento menciona os múltiplos tipos de acompanhamento na tradição cristã: psicológico (IL 125), sacramental (IL 126), familiar, formativo e social (IL 127), acompanhamento na leitura dos sinais dos tempos (IL 128), na vida quotidiana e da comunidade eclesial (IL 129), dos seminaristas e jovens consagrados (IL 133).
No entanto, a ajuda de um acompanhador espiritual constitui um apoio inestimável: “Todos os jovens, sem exclusão alguma, têm o direito de ser acompanhados no seu caminho» (DP III, 2). O acompanhamento vocacional é um processo capaz de desencadear a liberdade, a capacidade de doação e de integração das diferentes dimensões da vida num horizonte de significado. Por isso um acompanhamento autêntico esforçar-se-á para apresentar a vocação não como um destino pré-estabelecido, uma tarefa a ser executada, um guião já escrito, para ser aceito e descobrir-se como bons intérpretes. Deus leva a sério a liberdade que Ele forneceu aos seres humanos e responder à Sua chamada é um compromisso que requer trabalho, imaginação, audácia, disponibilidade para prosseguir até mesmo por tentativas.” (IL 121).
Quais são as qualidades dum acompanhador? “Quem acompanha é chamado a respeitar o mistério que cada pessoa possui e a confiar que o Senhor já está a trabalhar nela. O acompanhador é convidado a estar ciente de que ele representa um modelo que influencia pelo que é, antes de pelo que faz e propõe. A profunda interação afetiva que é criada no espaço do acompanhamento espiritual – não por acaso a tradição se exprime falando de paternidade e maternidade espirituais, portanto duma relação generativa muito profunda – requer do acompanhante uma sólida formação e disposição para trabalhar antes de tudo em si mesmo, do ponto de vista espiritual e, até certo ponto, também psicológico. Somente desse modo ele poderá estar autenticamente ao serviço, à escuta e no discernimento, e evitar os riscos mais frequentes do seu papel: tomar o lugar de quem é acompanhado na busca e na responsabilidade das escolhas, negar ou remover o surgimento de problemas sexuais e enfim, ultrapassar os limites envolvendo-se de maneira imprópria e destrutiva com quem está a receber a sua ajuda no caminho espiritual, até mesmo chegando a verdadeiros abusos e dependências. Quando isso ocorre, além dos traumas gerados pelas pessoas envolvidas, difunde-se um clima de desconfiança e medo, o que desestimula a prática do acompanhamento.” (IL 130).
Não é fácil para um jovem descobrir o plano de Deus na sua vida. Há tantas solicitações, pressões vindas do ambiente social e familiar, que deixam o jovem desorientado e perdido. Segundo alguns, vivemos numa “cultura da indecisão”, que considera impossível ou até mesmo insensata a escolha pela vida (cf. IL 61). Neste contexto, como fazer para que os nossos jovens possam acertar na vida? Eis alguns desafios:
-   A vocação. Para muitos jovens a “vocação” permanece um termo meramente inteletual, algo fora de alcance. Não entendem que a vocação é dar sentido à própria vida, realizar-se, pensam que seja um dom reservado a quem quer ser padre, religioso ou irmã. A ideia geral de que a vocação é um chamado não é clara aos jovens, e por isso é necessária uma maior compreensão da vocação cristã (ao sacerdócio, à vida religiosa, ao apostolado laical, ao matrimónio e à família, etc.) e do chamado universal à santidade.
-   Testemunhos autênticos. Os jovens pedem testemunhos autênticos: homens e mulheres capazes de expressar com paixão sua fé e relação com Jesus, e ao mesmo tempo, de encorajar outros também a se aproximarem, se encontrarem e se apaixonarem por Jesus. Porquê é tão difícil transmitir hoje a “alegria do Evangelho”?
-   O acompanhamento vocacional. Os jovens buscam “companheiros de caminho”, pessoas que não são santas ou perfeitas, mas “testemunhos vivos”, capazes de evangelizar através de suas vidas. Devem respeitar a liberdade do processo de discernimento de um jovem, fornecendo os instrumentos necessários para o cumprimento adequado deste processo. Um acompanhador deve acreditar de todo o coração na capacidade que um jovem tem de participar da vida da Igreja. (cf. Documento preparatório, II, 10).

Caros irmãos e irmãs em Cristo, convido-vos a refletir seriamente sobre este tema e os seus desafios pastorais, a fim de que seja de facto guia e documento orientador do novo ano pastoral que já começou.
Para todos vós a minha bênção de pastor e os meus votos sinceros dum bom “novo ano pastoral”!
Bissau, 12 de outubro de 2018                                                         




FICHA DE REFLEXAO

Perguntas sobre o 1° ponto (A nova evangelização):
-   O que entendo por “nova evangelização”?
-   Segundo o seu ponto de vista, a Diocese de Bissau e as suas estruturas pastorais (vigararias forâneas, comissões, conselhos pastorais) tomaram à serio o convite do Papa Francisco de “uma conversão pastoral e missionária”, que se traduz num novo estilo do anúncio do Evangelho, sobretudo na catequese, nas celebrações dos sacramentos, nas homilias?
-   O que estou a fazer para aproximar os que estão longe ou fora da Igreja?
-   Porque as seitas e os novos movimentos religiosos têm tanto sucesso?

Perguntas sobre o 2° ponto (a fé):
-   Que fazer para que o dom da fé possa dar fruto em mim? Como cultivar a minha fé?
-   Quem é Jesus para mim? O encontro com Ele mudou algo na minha vida?
-   A Igreja não é uma instituição velha e ultrapassada? Como fazer para que Ela recupere a sua credibilidade e a sua autonomia?
-   Porque é que o dízimo não está a produzir os efeitos desejados?


Perguntas sobre o 3° ponto (o discernimento vocacional):
-   Os nossos jovens – diz-se – não são capazes de escolhas radicais, de compromissos definitivos. Está de acordo com esta opinião?
-   Quais os critérios que orientam os jovens na escolha da profissão e em geral do seu futuro?
-   Porque é que os jovens têm dificuldade em responder com generosidade ao chamamento do Senhor?
-   Como estamos a acompanhar os nossos jovens? Somos capazes de propor-lhes grandes ideais, metas ambiciosas?

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