terça-feira, 24 de janeiro de 2017

PEQUENAS COMUNIDADES VIVAS



PEQUENAS COMUNIDADES VIVAS na vida da Igreja de Bissau. 
Pequeno itinerário histórico

A caminho do Sínodo diocesano 
Pelo p. José Fumagalli 


1.      A primeira referência à “comunidade viva” aparece desde a primeira tentativa efectuada na Diocese de Bissau (que então abrangia toda a Guiné) de encontrar linhas comuns de pastoral, nem que fosse ainda numa forma “embrional”. Foi um trabalho de pesquisa e preparação que nos empenhou desde 1984, continuou ao longo de ’85 e ’86 e desembocou na “Primeira Assembleia (do Pessoal Missionário)” que foi realizada em Bissau de 4 a 7 de Maio de 1987. Naquela altura, quando se falou em como acolher e acompanhar simpatizantes, pré-catecúmenos e catecúmenos, apareceu-nos como indispensável a necessidade de se formarem comunidades “sólidas e unidas”, comunidades “vivas”, que poderiam ser tais só se nelas houvesse a possibilidade concreta de
se estreitarem laços de conhecimento recíproco, apoio mútuo etc. O questionário que distribuímos tinha como introdução umas citações de documentos da Igreja universal em que se afirmava a necessidade da dimensão comunitária da experiência cristã e, a seguir, a realização concreta das comunidades; a saber Ev. Nuntiandi 23, AG 13; EN 47; LG 9; AG 15, como também OICA 41.
Apresentou-se-nos como praticamente impossível, nomeadamente nas tabancas do interior, a caminhada isolada dum simpatizante para o Catecumenato, os Sacramentos da iniciação e a vivência cristã: para fazer frente às “rupturas” e oposições que se verificam na sua vida concreta neste (da Guiné Bissau) contexto sociocultural, ele necessita do apoio duma comunidade
viva e unida; estas as qualidades que a tornam capaz de oferecer apoio para tal caminhada. Por isso dissemos:
a. Que as comunidades existentes sejam levadas a adquirir tais qualidades (viva e unida), cultivando nos membros uma fé adulta e a consciência de que são eles próprios os meios de transmissão da Palavra de Deus.
b. Que, onde se está no início do trabalho, se enverede desde já por este caminho, cultivando as qualidades humanas que levam um grupo a se tornar comunidade (estima, aceitação recíproca entreajuda), dando atenção aos problemas da própria comunidade e tentando conhecer as famílias dos próprios simpatizantes. (NB: A frase final da alinha b. precisaria duma especificacão: no caso de serem jovens).

2.      A seguir, em 1990, empreendémos um trabalho de revisão da nossa atitude pastoral à luz daquelas primeiras e embrionais ”linhas comuns de pastoral”, concordadas na Assembleia de 1987 e promulgadas em 1988. O trabalho arrancou em 14.04.1990 e levou a uma segunda Assembleia que teve lugar de 17 a 20 de Junho de 1991. Também desta vez ao longo dos questionários distribuídos falou-se em como os agentes pastorais se aplicaram a criar “(pequenas) comunidades vivas” e, no caso, qual foi a utilidade delas quer no processo do acompanhamento dos catecúmenos quer na vivência cristã dos baptizados e na irradiação do Evangelho na sociedade.

A assembleia conclusiva dos trabalhos teve lugar de 17 a 20 de Junho de 1991, quando já chegava às nossas mãos a Redemptoris Missio que no n. 51 fala mesmo nas “comunidades eclesiais de base” como força de evangelização (cfr. também o n. 48 da mesma RM). Foi assim que no “Relatório final” da comissão que conduziu este trabalho, documento que serviu como Instrumentum laboris da Assembleia que se seguiu, no ponto 2 a página 5 encontramos a passagem seguinte que fala em “pequenas comunidades vivas”:

2-Entrando mais no vivo do nosso trabalho missionário, o que nos pareceu polarizar e dar unidade à maioria das propostas e dos "desiderata" é a preocupação de edificarmos comunidades vivas. A afirmação é velha: foi um dos primeiros "postulados" da fase precedente da pesquisa sobre linhas pastorais comuns (cf. LP. II, 1). Mas, através da experiência destes últimos quatro anos, adquiriu ainda mais força pelo facto de vermos agora florescer mais carismas, aparecer mais serviços naquelas que eram então pequeninas comunidades nascentes; o que reforça a consciência comum de estarmos na fase da "plantatio ecclesiae", fase que nos interpela a nós todos:
- os cristãos (ou simplesmente "baptizados") de velha data, para que se dinamizem e
rejuvenesçam;
- os pequenos grupos iniciais ainda em fase de primeiro anúncio ou de primeira evangelização, para que se animem, vendo à sua frente o caminho aberto e experiências a que se podem inspirar;
- os que lidam com comunidades em fase de estruturação e de maturação, para que proporcionem a devida formação e "rodagem" aos portadores de carismas que nelas surgem: Catequistas, in primis, animadores familiares, animadores vocacionais, animadores litúrgicos, responsáveis e operadores das várias actividades educativas, de promoção humana, assistenciais, etc e, por fim, mas não menos importantes, os Responsáveis de Comunidades, cuja formação adequada nos permite a nós, padres, freis e irmãs, recuperarmos, ao lado dum laicado formado, consciente e dinâmico, o nosso lugar específico, respondente ao carisma que nos é proprio, sem "compendiar",
"resumir" ou melhor "apropriarmonos" de carismas que se encontram mais à vontade nos próprios leigos. Mais espaço aparece assim para que surjam e cresçam mais operários para esta vinha, que irão brotando daquilo que representa a célula fundamental da comunidade como da sociedade e o terreno privilegiado de cultivo das vocações até "especiais": a Família Cristã, "lugar particularmente privilegiado para dar a conhecer ao mundo o valor salvador do Evangelho" (J.P. II, Homilia em Bissau, 27.01.90, n.7).

3-Para que estas comunidades vivas apareçam há uma condição indispensável: uma formação gradual e séria, que é o Caminho da iniciação cristã dos adultos, indicado já pelos Padres dos primeiros séculos como "Escola de vida cristã", de maneira particular na sua parte central, que se refere ao Catecumenato; porque é na formação catecumenal que são lançadas as bases do futuro cristão, através duma conversão radical a Cristo e da aceitação da Igreja na sua Missão de salvação. É a preocupação dos Sectores de pastoral e de todas as Missões da Guiné, como se depreende pelas respostas aos questionários de revisão como pelas propostas das Comissões diocesanas mais intimamente ligadas com a acção pastoral.(cfr. anexo 3)”

Depois de realizada a Assembleia, como se disse de 17 a 20 de Junho de 1991, foi emanado um documento que foi publicado no Caminhos Africanos. Nele, além do mais, eram apresentados “Pontos para escolhas de prioridades a curto prazo”.
No ponto 1 falava-se em “formação permanente” de todos os agentes da pastoral. Nos pontos 2 e 3 eis o que se dizia:

“2.Comunidades vivas. Foi reafirmada a necessidade de criarmos comunidades vivas que saibam viver e caminhar como Igreja, proporcionando aos idivíduos a possibilidade de realizar sua caminhada cristã; acha-se necessário que venham também a ser dotadas duma pequena estrutura interna com responsáveis e demais agentes devidamente formados; por isso exige-se:
a) Que se formem catequistas adultos residentes nas comunidades ( LP. A,I,4), com atenção particular à formação permanente sua e dos demais colaboradores, (v.g. catequistas, animadores familiares, animadores vocacionais, animadores litúrgicos, responsáveis e operadores das várias actividades educativas, de promoção humana, assistenciais, etc e, por fim, mas não menos importantes, os Responsáveis de Comunidades); com algo de estrutural que nos proporcione a possibilidade de a realizar (p.ex. catequistado, "escola de teologia" a qual pode ter valor só se tiver um cunho mais aderente à situação, v.g. com formação bíblica, litúrgica e catequética). Nas propostas da CDC vem, a este respeito, a proposta de se preparar um "compêndio de textos para formação dos catequistas".
b) que tenhamos uma atitude de particular discernimento dos carismas que surgem nos elementos das nossas comunidades, de forma a serem garantidos serviços, ministérios e liderança necessários à vida e ao desenvolvimento das Comunidades Cristãs.
c) que se reforce a atenção primária à família cristã como um dos pilares e célula fundamental da comunidade na sua vida e no seu testemunho na sociedade. (cf. João P.II, Omilia, 7, Bissau, 27.1.1990).

3.Iniciação Cristã dos Adultos. A consistência e o futuro das Comunidades, visto estarmos num meio ambiente pagão, em situação de Igreja nascente, depende em grande parte da seriedade com que se realiza o itinerário de Iniciação Cristã dos seus elementos, principalmente adultos. Disso a Igreja nos oferece o ritual e os princípios que o sustentam. Propõe-se:
a) Que a nível dos Sectores e em toda a Diocese se definam linhas comuns sobre a Iniciação Cristã dos Adultos, nomeadamente no que se refere a -linhas mestras para o primeiro anúncio e apresentação dos conteúdos doutrinais
- etapas e aquisição dos requisitos, como também aos sinais correspondentes
- estruturação e adaptação dos ritos propostos pelo OICA.
b) que tal trabalho seja feito a partir das experiências feitas e do material (de carácter linguístico, catequético, litúrgico etc.) recolhido a nível de Missões e de Sectores.”
Em 14 de Setembro de 1995 saiu a Exortação apostólica pós-sinodal “Ecclesia in Africa”, na qual, no n.89 se fala também nas “Comunidades eclesiais vivas” que devem ser “suficientemente pequenas para permitir estreitas relações humanas”.

3.      Assembleia Diocesana de 25 a 28 de Junho de 1996.
Também esta foi precedida por longo estudo dos “lineamenta” a nível de paróquias e comunidades, estudo que deu origem a um longo Documento de trabalho (“Instrumentum laboris”) que recolhe o material organizando-o em 11 Capítulos, o último dos quais intitula-se: “Pequenas comunidades cristãs na Igreja Família de Deus”.
Logo no sumário inicial lê-se o seguinte:
O essencial da vida cristã é viver a fé com autenticidade. A vida cristã é para ser vivida em comunidade. Por várias razões parece ser necessário renovar as paróquias. As pequenas comunidades apresentam-se como um dos processos dessa renovação, uma vez que, pela sua dimensão humana, elas oferecem melhores condições para serem comunidades viva. A paróquia será, então, uma comunidade de comunidades. O texto apresenta algumas das características
das pequenaas comunidades e termina por pôr a questão da mudança de mentalidade e atitudes para se conseguir a adesão à criação de pequenas comunidades”.
Nos números de 456 até 501 é contido o texto do capítulo 11 em que o assunto das pequenas comunidades vivas è tratado pormenorizadamente. No final da própria Assembleia, na conclusão publicada no “Caminhos Africanos” segunda série, ano 8, n° 27 pág 17, fala-se primeiro no Objectivo geral, que è a Igreja como Família de Deus.
A seguir, entre os objectivos específicos, o primeiro assim reza:

a. Pequenas comunidades vivas. A criação e dinamização de pequenas comunidades vivas que fomentem, dentro do estreitamnto de relações humanas mais profundas, uma maior autenticidade
da fé, da partilha, da comunhão eclesial e do anúncio do Evangelho”

4.      Assembleia Diocesana de 2001.
É a que deu origem ao “Projecto diocesano de pastoral”, que retoma os objectivos de 1966 e acrescenta mais dois. No primeiro lugar dos objectivos específicos sempre vem “A criação e dinamização de pequenas comunidades vivas”. A qualificação de “cristás” desapareceu do ditado, mas não do conteúdo: quase que se criou umaa assuefação à linguagem e muitas coisas
ficam sub-entendidas. O risco é que se dê por realizado o que em vez requer atenção e trabalho contínuos. Entre as acções programadas referentes aos objectos específicos, a propósito
do objectivo acima apontado vem o seguinte:

7) Despertar nos leigos a consciência da própria vocação cristã e da sua realização no seio da comunidade, na qual têm um papel a desempenhar e uma responsabilidade a assumir.
8) Promover a criação de ministérios e serviços nas pequenas comunidades como forma de fomentar a co-responsabilidade, a partilhaa, a participação e o crescimento para uma certa autonomia, que manifeste a unidade e a comunhão entre todos os membros.
9) Publicar subsídios sobre o que são pequenas comunidades vivas, seu processo de constituição e sua estruturação”.
NB. Se me é permitida uma observação: o discurso foi em direcção mais estrutural, deixando de lado a urgência missionária e a imprescindibilidade de tais comunidades num contexto de caminho de iniciação cristã. Deu-se por realizado o que realizado não era. Até a alinha 9 quase que não teve seguimento nenhum.

5.      Seminários de formação sobre o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos em vista de concordarmos um “Directório” para a caminhada inicial. Tiveram lugar em 2005-2006. Logo no esboço de Directório do pré-catecumenato vem o texto seguinte que se refere à comunidade viva:
Na fase que precede o Catecumenado, ou seja o Pré-catecumenado, sobressai  necessidade duma “comunidade viva”, presente e activa, onde os cristãos testemunham, “provocam”, acolhem e acompanham os novos membros da comunidade, em harmonia com os responsáveiss, os catequistas, os acompanhadores (fiadur). Por conseguinte, solicitar e encorajar este tipo de actividade por parte dos mebros da comunidade, ajuda a própria comunidade a acordar, a tornar-se mais viva; para que apareça ao recém-chegaado como a sua nova “família” a que vai
pertencer, família que o acolhe, o identifica e o ampara. (R.I.C.A. 41); Vade-Mécum para uma renovação da catequese: da conversão inicial à maturidade na fé 15-16; Linhas comuns de pastoral 1988,III,a,b).”
A este ponto só fica o material da última Assembleia Diocesana de Pastoral, a de 2008, que também considerou como já assumida a opção para a criação de pequenas comunidades cristãs vivas e cujos documentos são de domínio comum. Podemos dizer que entrou a fazer parte do panorama da nossa Igreja, pelo menos quanto a linguagem. Quanto a actuação e consistência.... posteri videbunt.

Não me resta que desejar que esta recolha de documentos tenha alguma utilidade, de maneira especial em vésperas do Sínodo: talvez ofereça pistas e lumes para desvendar um futuro da Igreja "família" onde todos se conhecem, se apreciam e "carregam cada um os pesos dos outros" como diz Paulo aos Gálatas (cf. Gál. 6,2) numa solidariedade que brota do Baptismo recebido e assumido.

Suzana 13.01.2017


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