Ehlalab é
uma pequena tabanca felupe não longe da fronteira com o Senegal. E´praticamente
uma ilha, rodeada pela água do mar que entra pela terra adentro em forma de
rios e riachos.
Na noite de
Páscoa de 1990 Ehlalab renasceu pela água e pelo Espírito Santo pela primeira
vez desde que o sol lá do alto ilumina o desenrolar-se da vida neste mundo:
seis famílias pululantes de crianças.
Ma há um
pormenor que logo se nota: os catequistas que ajudaram a comunidade a se
preparar assim como os padrinhos que acompanharam todos eles da mais vizinha comunidade, que é
Ejin, onde já existe desde dez anos uma comunidade cristã sólida que
abriu caminho às outras comunidades da área. Nada de estranho? Nada. A não ser que
as duas tabancas, apesar de pertencerem à mesma família Jóla Felup,
são inimigas desde sempre, separadas por uma hostilidade secular,
pontuada por uma longa série de conflitos sangrentos. As coisas não mudaram
muito nem durante a guerra de independência, mas a partir de 1973 para Ejin e
de 1977 para Ehlalab os primeiros grupos de simpatizantes pediram a catequese e
o padre começou a aparecer regularmente,
viajando no rio; as mulheres começaram a frequentar as irmãs. E os catequistas?
Foi difícil, mas aconteceu algo de inesperado. Catequistas havia, com vontade
de ajudar, mas aquela inimizade atávica representava um problema e não dos mais
pequenos.
Mas não para
o António, o filho de Kutujenuió de Ejin: que assumiu como seu encargo particular
o de acompanhar a comunidade nascente da tabanca "inimiga".
Quando uns
catecúmenos de Jihunk, tabanca aliada de Ejin, o souberam, protestaram vivamente.
Foram dizendo que isso non podia ser, que não se podiam ajudar os inimigos
daquela forma, que António devia ser mandado parar.
Antes de eu
tomar conhecimento da coisa, António
precipita-se a Jihunk e pergunta acerca das razões de tais murmurações.
Eles não se calaram: "Mas como, tu vais levar a mensagem da salvação aos
de Ehlalab que são nossos inimigos? E quando arrebentar mais uma guerra o que
vai acontecer? Sabes dizer o que farias na ocasião?"
António não
esperava mais. Falou como um profeta inspirado pelo Espírito Santo. Quando me
contou o que lhes disse ainda vibrava com intensidade. Em resumo eis o que
disse: "Vós sabeis que que entre nós de Ejin e os de Katón nunca nos demos
bem. Ninguém sabe contar as vezes que estivemos em guerra. Entre os nossos pais
ainda estão de vida os que se afrontaram nas últimas de tais guerras e nos
lembram os nomes dos que foram mortos. Bom, o António Sipenjuló de Katon não
veio por acaso muitas vezes nos lembrar e explicar a palavra de Deus a nós de
Ejin? Sempre ficou hospedado em minha casa e nos tratamos como irmãos, Ele me
disse porque fazia isso. Disse-me que assim é que Jesus se portou connosco: nós estávamos em pecado, inimigos de Deus, mas Ele veio no meio de nós trazer-nos o
perdão e a paz; acabou com a inimizade. Agora, se o António de Katon veio a
Ejin nos dizer aquilo, não devia eu também ir a Ehlalab? No caminho de Jesus
não há mais inimigos, temos o mesmo sangue, o de Jesus, somos irmãos, não há
mais "tapadas" que nos separem, acabou!" Como eu saboreava suas palavras enquanto me
contava isso! Cheiravam mesmo a Novo Testamento! E no meu coração agradecia a
Deus que diante dos meus olhos ré-escrevia o livro dos Atos dos Apóstolos,,,,
Com o passar
dos anos também os de Jihunk aprenderam umas lições e deram mais passos no
caminho... até aceitarem ser ajudados por um catequista... de Ehlalab!
Naquele dia
de Páscoa de 1990 , na homilia do Missa,
em presença dos neófitos de Ehalab, eu estava comentando estes factos,
quando Anjiroken a idosa viúva de Kutujenuió, levanta da sua cadeira, avança com
seu passo incerto apoiada ao pau que
sempre leva consigo, chega ao altar vem ter comigo, chama-me
"Apinda", um dos meus nomes felupe, cumprimenta,
"kassuumai", pega na minha mão e me diz:"Agora tu calas que vou
falar eu": "Fala, digo, tu és a nossa mãe".
Vira-se para
a assembleia e começa a falar, agitando ritmicamente o corpo como numa dança:
"Eu sou
velha, velha mesmo e vi coisas que nunca mais vós podereis ver! Eu sei o que
significa não sair nunca da própria
tabanca e não pisar com o pé o solo de
outra por medo que te façam mal.
Até eu ter
crescido nunca vi a tabanca de Ehlalab, nem sabia como era feita. Nunca
ultrapassávamos Jihunk ali ao pé, por medo que alguém, por ser inimigo, nos
fizesse mal.
Mas agora
estou contente, contente mesmo e posso morrer satisfeita, porque o Senhor me
fez ver coisas que nunca esperava ver. A
minha mãe nunca me levou a Ehlalab, quando era criança, e agora vós estais cá com
vossos filhos pequeninos, brincam com os nossos e ninguém tem medo de nada: é o
Senhor que nos fez isto. Ele nos fez irmãos, somos todos irmãos, os nossos
filhos são vossos filhos e os vossos
filhos são nossos filhos. Jesus, Jesus nos fez isto. Já pode vir buscar-me
para eu ir embora com Ele. Jä não desejo
outra coisa: posso morrer, que morro contente!" Pega outra vez a minha mão
e diz:" Não estragueis o caminho que este padre nos trouxe: é o caminho de
Deus e sabe demais!"
O povo em
volta, e nem só ele, tem olhos lúcidos e molhados, a memória sobrecarregada de
medos, lembra vinganças em séries intermináveis, sofrimentos antigos e recentes...
e de repente, depois das palavras de Anjiroken, parece que isso tudo se
dissolveu: surgiu uma esperança nova e uma certeza a cantar nos corações: Ele
nos fez irmãos! Acabou o medo!
Anjiroken
vira-se para mim e diz:"Agora podes continuar!"
Continuar?
Deus revelou os segredos do Reino aos pequenos e eu vou dizer palavras minhas?
Só tive a força e a alegria de dizer Ámen! ao qual seguiu outro Ámen!
espontâneo, sentido, da Assembleia toda.
por Pe. Zé Fumagalli
Publicado em Mondo e
Missione, Março 1994, com adaptações.
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