segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Celebraremos o "choro" da instituição familiar ou ainda há tempo para salvarmos algo?



A caminho do Sínodo              Temas para debates: a família na Guiné

Perante a crise em que versava a família, a Comissão Diocesana da Pastoral Familiar desde os primeiros anos 90 pensou realizar um subsídio para a preparação ao matrimónio possivelmente a partir dos dados positivos de nossas culturas. Por isso a partir de 1996 organizou um inquérito no assunto a nível nacional. A guerra de 98 parou tudo, mas já tínhamos dados suficientes para nosso trabalho.

O primeiro dado recolhido naquela altura foi: o matrimónio público, com consequências sociais até definitivas, existe e continua sendo celebrado em todas as culturas presentes nas nossas comunidades.
O segundo: o matrimónio é condição necessária para ter filhos. Sem casamento não há filhos.

Claro que todos sabem que podem ter filhos sem serem casados, mas aqueles filhos não são considerados "verdadeiros", quer dizer, não respondem aos requisitos da tradição e portanto os anciãos não se reconhecem neles; não realizam a imagem de homem ou mulher conforme a tradição e não terão encargos públicos (aliás eu lembro os tempos em que um filho ilegítimo não podia se padre.....).

Esta motivação confirmou-me no que pensara aquando da independência em 1974.
Quem veio a Suzana naquela altura expor a "política" educativa e social do Partido, falava em Clube como sendo o lugar privilegiado para a Nova Cultura. O Clube veio a chamar-se de "discoteca", mas nada mudava na substância. O que aconteceu?
Cada tabanca e cada morança arranjou um gira-discos e umas caixas de som. Começaram as "mansidas". Até havia discos determinados durante os quais se apagavam todas as luzes e cada qual.... fazia o que lhe apetecia com seu parceiro ou parceira.
Desculpem eu falar nestas coisas, mas è para dizer o seguinte: eu logo lancei um alerta "cuidado, há filhos demais a serem concebidos no clube em vez que em família; os que escaparão à chacina dos abortos irão constituir uma sociedade de elementos "nascidos fora", "não educados conforme os valores da tradição" e então "não reconhecidos", em que "não se pode confiar"....
A estrutura familiar, que aliás nas nossas comunidades ainda não tinha estabilidade suficiente, começou a vacilar vistosamente.
Os grandes quiseram reagir, em certos casos até com violência. Não conseguiram parar o processo e então ...... baixaram os braços.
O processo alastrou e todas as barreiras foram abatidas: nem conseguiu fazer algo o medo da sida, a pandemia que se manifestou mesmo naquela época.
A geração da independência?  Cá está ela e não só agora, com suas riquezas e... seus problemas.

Um caso emblemático é o que aconteceu no meio Felupe. (Peço vénia por eu sempre fazer referencia a este povo, mas é o limite da minha experiência).
Esquematicamente, para ter o direito de procriar um filho um felupe lhe deve preparar:
            1  uma família constituída através do casamento realizado (ia|-il)
            2  uma casa em que habitar    (eluup ai)
            3  uma reserva de arroz para se alimentar (emaan ai).

E para se preparar ao casamento havia seis anos ao longo dos quais o jovem era iniciado à vida social,  a assumir suas responsabilidades: era a verdadeira iniciação. O fanado se sobrepôs só em tempos muito recentes.
Nada disso presentemente. O que quer dizer que a própria cultura foi abandonada e rejeitada.

- A nível de Igreja, rejeita-se o sacramento, fecha-se a porta da casa na cara de Jesus. "Fica lá fora, em minha casa quem manda sou eu".
- A nível de comunidade humana, recusa-se qualquer lei, qualquer intrusão da comunidade, qualquer ajuda de quem tem experiência de vida... A liberdade é erigida em libertinagem.

Consequências:
   *a nível de Igreja:
- renega-se, de facto, o Batismo e a condição de "filhos de Deus"
- quebra-se a comunhão com Jesus
- quebra-se a comunhão com a Igreja, com a comunidade em que os sacramentos são celebrados

     *a nível de sociedade:
  - renegam-se os laços familiares que garantem pertença, identidade e estabilidade
  - recusa-se a ajuda das duas famílias na construção da nova
O novo "aglomerato" familial não reconhecido e não suportado empreende sua caminhada na vida completamente isolado, sem nenhuma garantia para presente e futuro.

Os resultados estão debaixo de nossos olhos:
Jovens que engravidam mais moças tendo assim paternidades "cruzadas" e complicadas
Moças com filhos de jovens diferentes, "descarregadas" a lutarem sozinhas para os sustentar.
(Quantas cesarianas, por não terem ainda aa força de parir? E como subiu o número de moças e crianças que perderam a vida no parto? Quantas corridas eu dei com a ambulância da missão?)

E os filhos?
Vítimas inocentes do egoísmo, da leviandade, da libertinagem, etc....
Crianças traumatizadas: depois de uns anos de vida com a mãe, o pai, se está interessado, a reclama e a leva para junto de si: mudam as pessoas, muda o contexto familiar, às vezes muda a cidade, muda a língua.... Os pontos de referência que a criança tinha individuado aos poucos e que lhe davam segurança, desaparecem e subentra outra pesquisa de outros pontos....  Falha completamente o sentido de pertença, prejudicando assim o sentido de identidade da própria criança, que vem a ter uma personalidade instável, não definida. Já não tem consciência de quem é na realidade (os peritos em psicologia que expliquem, por favor)
Psicologicamente è um fracasso enorme... E o Centro de saúde mental de Bissau tem que tratar pacientes cada vez mais numerosos...e mais jovens!

E os direitos das crianças tão conclamados? Pisados aos pés, porque as crianças não se podem defender. Somos tentados de chamar isso como "criminalidade tolerada" pela nossa sociedade, que assim se torna cúmplice: ela tem outros problemas de ordem política, económica e social... e  acha que não pode interessar-se a este, que porém é profundamente humano e que ameaça a própria sociedade no seu fundamento, que é, ainda antes que a família, a própria pessoa humana. 

E a Igreja?
A Igreja tem recursos que a sociedade civil não tem, recursos que se chamam oração, catequese, misericórdia, sacramentos, comunidades etc.
Mas o que é que está a acontecer?     
Apareceu a figura do "Jovem pai" e da "jovem mãe", normalmente chamados de "Jopais".
Do que é que se trata? Procuremos ser claros.
Trata-se de jovens que, por vários motivos, nem sempre de sua exclusiva responsabilidade, falharam a caminhada com Jesus, empreendida no Batismo e continuada através de uns sacramentos; e falharam sua caminhada exatamente neste ponto: não souberam assumir e viver sua sexualidade e se encontram na situação de ter gerado um ou mais filhos sem serem casados e sem viver juntos.
Situação que, objectivamente, os coloca numa posição ambígua: ao lado do caminho quer como cristãos quer no que diz respeito a suas culturas.

A descrição parece impiedosa, mas não é. Não estamos falando nem em culpas nem em responsabilidades: o diagnóstico è fundamental para encontrar um tratamento, em qualquer doença.
Diante da minha linguagem houve, entre uns "jo-pais", quem apelou ao diálogo.
Muito bem. O diálogo não é para ocultar a verdade, mas sim para lá chegarmos juntos.
Exemplo: um sujeito com o fígado estragado pelo álcool, pode pedir ao médico que lhe explique o seu caso com boas maneiras, mas o médico não pode não dizer-lhe que pare de beber, se não aparece uma cirrose hepática e o sujeito fica despachado, dialogando, naturalmente!....

A descrição ainda não acabou.
Há casos felizes em que, rapaz e moça, gostam um do outro, assumem sua paternidade e maternidade, pedem ajuda, são orientados e conseguem dar uma família, uma casa e sustento ao filho que geraram. È um festa! Quer dizer que há uma saída a esta situação. Graças a Deus já celebrei diversos casamentos destes com a alegria do perdão em que fala Lucas, 15,6 ss.

Há outros casos menos felizes em que, por várias razões, rapaz e moça não resolvem, até geram outros filhos, adiando indeterminadamente uma solução aceitável.
A este ponto temos que ser claros. Estas pessoas não devem ser abandonadas. Parece que as podemos ajudar com outras modalidades. Temos que procurar.
No contexto da comunidade onde se colocam?
Com os jovens? Com as famílias? Constituem um "movimento" a parte, como fossem os Valentes, os Escuteiros, etc?
Para já não digamos absurdidades! Um movimento numa paróquia surge com finalidades de formação através da Palavra de Deus, da catequese, da vida sacramental, da espiritualidade, etc. com vistas a assumir uma atividade apostólica específica; não è o caso dos "Jo-pais" que são como "doentes que precisam de ser tratados".
No caso deles o único "movimento" é o da jangada na qual embarcaram, do lado dos jovens, para desembarcar do lado das famílias. Durante a travessia é que devem decidir e organizar sua vida do outro lado. E a travessia normalmente leva nove meses.....
Eu frequentei as jangadas durante muitos anos cá na Guiné, mas nunca vi ninguém a escolher entre os passageiros um presidente, um secretário, um tesoureiro etc. Os passageiros só pensavam em como prosseguir a viagem uma vez desembarcados do outro lado: haveria transporte, etc. etc. e se apressavam a desembarcar para não ficarem a pé.
Então, os "jo-pais" são jovens e ficam com os jovens?
Examinemos a expressão "Jovem pai". Se no princípio se tratava de um jovem (substantivo) que se tornou pai (outro substantivo) agora a situação mudou: dentro breve deixará de ser jovem, porque os anos passam, mas não deixará de ser pai durante a sua vida toda, desde que gerou pelo menos um filho. Então estamos diante de um pai (substantivo) apesar de jovem (adjetivo!), porque se tornou pai de repente, sem preparação, etc.
Então já não pertence à categoria dos jovens, apesar de não poder ainda ser considerado "família" sendo esta constituída através do matrimónio celebrado.   
Para quem não partilhar esta análise mais ou menos lógica:
-um jovem tem o tempo de pensar, na sua cabeça, no futuro, para quando terá família
- um jovem pai já tem o futuro "em casa": deve pensar no plural, com filho e mulher e deve pensar
   depressa, porque eles não podem esperar...

No caso de um casal "jo-pai" decidir de casar o que acontece?
Pelo menos um dos dois é cristão e casam pela Igreja? Deus obrigado! É mais uma família cristã que vem a sustentar a comunidade. É festa!

Se nenhum dos dois é cristão? Casam pela tradição ou pelo civil e há mais uns pés seguros a aguentar a sociedade. Também é festa.

- E se se juntam sem casar? Simplesmente vão conviver? Deixam de pertencer aos "jo-pais" e já se tornaram casais "conviventes", mais ou menos idosos, com mais ou menos filhos, mas estão juntos: então são "conviventes".
É lembrar que esta de convivente, no caso de cristãos, é uma situação objectivamente considerada de pecado: eu, cristão, constituo de maneira estável a minha família deixando fora Jesus Cristo. Se no caso de jo-pais a coisa parecia mais provisória e tinha perspetivas de se solucionar em tempos relativamente breves, agora já não é assim: a recusa estabilizou-se e aparece mais grave.

Escusado será dizer que nos dois casos não há possibilidade de comungar na Eucaristia nem de exercer qualquer função na comunidade: nem catequista, nem leitor na Missa, nem padrinho ou "fiadur". Se eu recuso a Cristo como é que acompanho alguém ao seu encontro?

- Objeção corrente: mas eu queria casar! Só que não há condições!"
Resposta: Até agora teve "condições" para gerar e criar filhos: o que é que muda com a celebração do matrimónio? Devem passar a pagar um imposto à Igreja talvez e não têm dinheiro para aquilo? E então? A festa? Onde está escrito que devem gastar X dinheiro para o matrimónio ter valor? É tudo "desculpas de mentira" como todos sabem mas estão a fingir que não sabem!
Desta forma estão a destruir suas próprias comunidades:
Onde é que se encontrarão catequistas, padrinhos, "fiaduris" em condições? E então será impossível estruturar um catecumenato? Ou continuaremos a pretender e fazer "descontos"?
Com qual resultado? Que nem batizados de criança se poderá fazer, apesar de o pároco procurar em todo lado alguém que lhe dê, como manda a Igreja, a " esperança fundada de que ela (criança) irá ser educada na religião católica," (prelim. Bapt, Crianças, n. 8; Cic. 868.§1,2) Será um bocado difícil confiar que tal educação possa ser ministrada por quem colocou Jesus fora da porta da casa!
E então vamos alegremente nos reduzir a encher a nossa terra de filhos de homens e não de Deus ou, pior ainda, visto pisarem aos pés também suas culturas, de "crias" do bípede chamado homem.
Que Deus tenha misericórdia de nós!

Chegados a este ponto há mais uma consideração a fazer, de carácter pastoral.
È verdade que em vista de um caminho de conversão temos que ter toda a atenção, todo o carinho, toda a misericórdia com os irmãos que, tendo caído no pecado contra o sexto mandamento através dum ato sexual completo que deu origem a uma nova vida, se colocaram na penosa situação de "jo-pai".
Mas é também verdade que não devemos esquecer a conotação de ESCÂNDALO que sua atitude reveste. Já é um sem fim de adolescentes que "tropeçaram" nesta pedra que o satanás colocou no seu caminho, até que parece uma etapa normal no crescimento dum menino ou duma menina.
Está entrando, e em parte já entrou, a mentalidade segundo a qual faz-se a primeira comunhão, faz-se a Confirmação (muito cedo, possivelmente antes da puberdade), e depois passa-se para o grupo dos  "Jo-pai" e se vai para frente; se calhar haverá algum  "outro" sacramento a mais?
Pior ainda, há quem pense que a este ponto um menino, uma menina pode escolher o "movimento" em que entrar: Valente, ou Escuteiro, ou... "Jo-pai", ou algo mais!...
Sem dizer da confusão que esta gerando a participação em conjunto de adolescentes (!?), jovens e jo-pais na celebração da "Jornada diocesana da juventude"... para a qual será preciso contemplar também a preparação dum "jardim infantil" de campo para... os filhos dos jovens|....
Devemos ser claros e não perder tempo. Sempre salvando as pessoas, temos que estigmatizar com força a situação de "jo-pai" como NEGATIVA, como IRRESPONSÁVEL, como PECADO contra si próprios, contra Jesus; contra os filhos gerados daquela forma, privados dos direitos e do respeito que lhes são devidos, só porque os que os geraram não quiseram saber de se portarem como seres humanos responsáveis.
Pena o menosprezo  da virgindade e seu desaparecimento.
Com boa paz da "Pastoral vocacional": só faltaria falar de "jo-pai" como de uma ... vocação, a única que sobraria.
Abra-se um debate, por favor.

Nos poderiam ajudar umas perguntas, por exemplo:

- Quem é que na paróquia e na diocese se deve interessar deles? Será a pastoral familiar? Será a dos jovens? Melhor que sejam duas em vez de nenhuma, é verdade, mas pode haver colaboração? Historicamente no que respeita à minha experiência foi a comissão da pastoral familiar, a pedido de pais preocupados pelos seus filhos. Lembro que pedimos a colaboração da então Comissão da pastoral juvenil. Resposta positiva. Logo houve troca de responsáveis e... nos tornamos espetadores do que ia acontecendo.
Será melhor retomar o discurso pelo menos a nível de paróquias?

- É natural que, principalmente no que respeita às moças, depois de ter feito o que fizeram, se encontrem um
bocado isolados, desnorteados, como tendo desembarcado num planeta desconhecido (daí a procura de pertença a um grupo, a um movimento?). Onde encontram apoio? Nos colegas? "Coxo que se apoia a coxo não vai longe.
Não podemos encontrar em nossas paróquias famílias "madrinhas" que os ajudem e lhes estejam próximas? Pode ser casais que já acompanharam seus filhos na mesma situação e os ajudaram a sair. Eu, por minha parte, quando celebro o casamento de jovens que passaram por esta experiência e entram no grupo das famílias, peço-lhes que ajudem a comunidade falando a seus irmãos mais novos, que se encontram naquelas mesmas condições, no caminho percorrido para saírem das suas situações. Sem dizer que, se do lado do rapaz às vezes é necessária a intervenção do homem que o chame, às vezes energicamente, a suas responsabilidades, no caso da moça, especialmente se abandonada, pode haver a tentação de "apanhar a primeira candonga que passa", piorando assim sua situação: não haverá mesmo ninguém que possa aconselhar?
- Será possível e positivo pensar na individuação ou na celebração duns passos duma caminhada de aproximação à celebração do matrimónio. no estilo das celebrações da caminhada catecumenal, como sugere papa João Paulo II na Familiaris Consortio n.66 falando na preparação próxima, (todo o  n°66 nos ajuda a estruturar uns conteúdos para a catequese...')
Etc. Etc.

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