Tema do ano pastoral:
A NOVA EVANGELIZAÇAO AO SERVIÇO
DA FÉ E DO
DISCERNIMENTO VOCACIONAL
Caros irmãos e irmãs em Cristo,
Gostaria de partilhar convosco algumas reflexões que achei
pertinentes sobre o tema deste novo Ano Pastoral
2018/2019: “A nova evangelização ao
serviço da fé e do discernimento vocacional”.
O tema escolhido nos permite de estar em comunhão com a
Igreja universal (vejam-se os dois últimos sínodos: o de 2012 sobre a “Nova evangelização”, e o atual que
começou no dia 3 de outubro, sobre “Os
jovens, a fé e o discernimento vocacional”) e com a nossa Igreja
particular, que acaba de celebrar o seu primeiro Sínodo Diocesano, cujo tema
principal de reflexão era “A nova evangelização”.
Importa sublinhar que no título não se faz menção dos
“jovens” para dar ao tema um carácter mais universal e abrangente. Com efeito,
a fé e o discernimento dizem respeito a todos os fiéis católicos
independentemente da sua idade, embora evidentemente o discernimento vocacional
é próprio da faixa etária dos jovens que ainda estão a procura do seu futuro.
Mas todos estamos a caminho e procuramos constantemente a nossa vocação na
Igreja e na sociedade.
O tema será desenvolvido da seguinte forma: primeiro, explicação e conteúdo do título e,
segundo, desafios pastorais para a
nossa diocese e as suas diferentes estruturas pastorais (vigararias forâneas,
comissões, paróquias, movimentos de apostolado e associações).
1.
A nova
evangelização
Hoje em dia a expressão “nova evangelização” é muito
popular e frequentemente usada, embora nem sempre especificando o seu conteúdo,
objetivos e destinatários.
O termo foi usado pela primeira vez pelo papa João Paulo II em Nova Huta (Polónia) em
1979. Retomando a mesma expressão, na reunião do CELAM em Port-au-Prince, em
1983, especificou que a “nova evangelização deve ser nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões”.
Finalmente, o papa Bento
XVI criou o Pontifício Conselho para
a Promoção da Nova Evangelização, em 2010 com o objetivo de imprimir uma
nova dinâmica ao processo de evangelização do mundo moderno.
A nível doutrinal,
os dois últimos papas pronunciaram-se repetidamente sobre o assunto:
a)
Papa Bento XVI dedicou um parágrafo do III capítulo
da sua exortação apostólica pós-sinodal Africae
munus (=O compromisso da África) a esta temática (cf. AM 159-171), onde ele
esclarece em que sentido se deve entender a nova evangelização no contexto
africano.
Em particular, ele sublinha estas características:
- “O anúncio do Evangelho deve reencontrar o ardor dos primórdios da evangelização do continente africano, atribuída
ao evangelista Marcos… Com gratidão, é preciso aprender o entusiasmo dos
numerosos missionários que, durante vários séculos, sacrificaram a vida para
levar a Boa Notícia aos seus irmãos e irmãs africanos” (n. 164);
- “Para renovar-se “a missio ad
gentes deve caminhar lado a lado com a nova evangelização; não são raras,
mesmo na África, as situações que requerem uma “nova apresentação do Evangelho, ‘nova no seu entusiasmo, nos seus
métodos e nas suas expressões’. De modo particular, a nova evangelização deve
integrar a dimensão inteletual da fé na experiencia viva do encontro com Jesus
Cristo presente e operante na comunidade eclesial” (n. 165);
- Para que isso aconteça, “é indispensável empregar os novos métodos que hoje temos à nossa disposição” (n. 166);
- A nova evangelização “é uma tarefa urgente para os cristãos na África,
porque também eles devem reavivar o seu entusiasmo
de pertencer à Igreja… chamados a viver a Boa-Nova e a anunciá-la com renovado zelo… empregando para a sua
difusão os novos métodos” (n. 171).
b)
Por seu lado, o
Papa Francisco, colocando-se na
linha do seu predecessor, afirma na sua exortação apostólica Evangelii gaudium (=A alegria do
Evangelho) que:
- toda a novidade
vem de Jesus Cristo que “é sempre jovem
e fonte de constante novidade… Com a sua novidade, Ele pode sempre renovar
a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse
períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus Cristo pode
romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e
surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos
voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas,
métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras
cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a acção
evangelizadora autêntica é sempre «nova» ” (n. 11).
- A nova evangelização interpela a todos, realizando-se
fundamentalmente em três âmbitos: a pastoral ordinária; a evangelização das
pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências do Batismo
(re-evangelização); e o anúncio àqueles que não conhece Jesus Cristo (missão ad gentes) (cf. n.14).
- O Papa espera que
“todas as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avançar no
caminho de uma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não
nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de
missão’, em todas as regiões da Terra” (n. 25).
2.
A fé e o
discernimento vocacional
A nova evangelização exige uma fé sólida e um
discernimento vocacional entendido como um processo paciente que acompanhe as
pessoas durante todas as etapas da sua vida. Todavia, o hodierno contexto
sociocultural e religioso não parece ajudar muito nisso.
Como fizemos para o 1° ponto, vamos primeiro definir o sentido dos termos e depois passar a
individuar os desafios pastorais que
o mundo de hoje coloca aos cristãos.
a) A fé. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a fé é “um dom de
Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele”, que não se opõe à razão e a
liberdade humanas, pelo contrário, as eleva e fortalece (CIC 153-154).
Mas como se
acredita? Vale reafirmar que «ao início do ser cristão, não há uma decisão
ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa
que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» ” (Deus Caritas est 1; EG 3). A partir
deste encontro toma forma uma experiencia que transforma a existência,
orientando-a de forma dialógica e responsável. Ao crescer, todo jovem percebe
que a vida é maior do que si mesmo, que ele não controla tudo de sua
existência; toma consciência de que é o que é graças ao cuidado que outros, em
primeira instância os seus pais, reservaram-lhe; ele convence-se de que, para
viver bem a sua história, deve tornar-se responsável pelos outros, repropondo
esses comportamentos de cuidado e serviço que o fizeram crescer. (Instrumentum Laboris 82; doravante IL)
Como vivem os
jovens de hoje a sua fé? Ela dá sentido às suas vidas? Eis alguns desafios:
- Segundo o resultado dos inquéritos, os jovens de hoje
experimentam uma real dificuldade em “sintonizar-se” com a religião, que perdeu
aos seus olhos o valor que tinha antigamente. “Em geral, declaram-se abertos à
espiritualidade, mesmo que o sagrado
seja frequentemente separado da vida quotidiana. Muitos veem a religião como uma questão privada e
consideram-se espirituais, mas não religiosos (no sentido de pertencer a uma
confissão religiosa). A religião não é mais vista como o caminho de acesso
privilegiado ao sentido da vida, e é acompanhada e, por vezes, substituída por
ideologias e outras correntes de pensamento, ou pelo sucesso pessoal ou
profissional.” (IL 29).
- A própria figura de
Jesus é questionada. “Muitos O reconhecem como o Salvador e o Filho de Deus
e muitas vezes se sentem próximos a Ele através de Maria, sua mãe. Outros não
têm um relacionamento pessoal com Ele, mas O consideram um bom homem e uma
referência ética. Para outros ainda, é uma figura do passado sem relevância
existencial ou muito distante da experiência humana (assim como a Igreja é
vista como distante).” (IL 30).
- A Igreja. A Igreja em África, embora goze de muita estima, parece
“mole”, ou “fraca” diante das solicitações vindas da cultura tradicional
(fanado, choro) e de outras tradições importadas (carnaval, etc.). Muitos
cristãos pedem que a Igreja tome posições claras diante da RTA (Religião
tradicional africana), mas os nossos pastores hesitam. Os jovens africanos
sonham com uma Igreja local autónoma, que não alimente a dependência, mas que
seja uma contribuição viva para suas comunidades. (cf. Documento preparatório, parte I, 3). Hoje os jovens procuram uma
Igreja autêntica: transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa,
acessível, alegre e interativa com a comunidade.
b)
O discernimento vocacional. O discernimento vocacional é “o processo com que a pessoa, em diálogo com o
Senhor e à escuta da voz do Espírito, chega a fazer as opções fundamentais, a
começar por aquela sobre o estado de vida.” (Documento preparatório, II, 2). Supõe a capacidade de saber ler e
interpretar os acontecimentos da vida, que são em si mesmos mudos ou ambíguos, confrontando-os
com os desejos, sentimentos e emoções que eles suscitam na interioridade da
pessoa.
Neste processo de discernimento é de capital importância
a palavra de Deus que ajuda a
iluminar as intenções e os propósitos e purifica os desejos. Este trabalho de
interpretação realiza-se num diálogo interior com o Senhor, com a activação de
todas as capacidades da pessoa. (cf. Ibidem).
O mesmo documento menciona os múltiplos tipos de acompanhamento na tradição
cristã: psicológico (IL 125), sacramental
(IL 126), familiar, formativo e
social (IL 127), acompanhamento na
leitura dos sinais dos tempos (IL 128), na
vida quotidiana e da comunidade eclesial (IL
129), dos seminaristas e jovens consagrados (IL 133).
No entanto, a ajuda de um acompanhador
espiritual constitui um apoio inestimável: “Todos os jovens, sem exclusão
alguma, têm o direito de ser acompanhados no seu caminho» (DP III, 2). O acompanhamento vocacional é um processo capaz de
desencadear a liberdade, a capacidade de doação e de integração das diferentes
dimensões da vida num horizonte de significado. Por isso um acompanhamento
autêntico esforçar-se-á para apresentar a vocação não como um destino
pré-estabelecido, uma tarefa a ser executada, um guião já escrito, para ser
aceito e descobrir-se como bons intérpretes. Deus leva a sério a liberdade que
Ele forneceu aos seres humanos e responder à Sua chamada é um compromisso que
requer trabalho, imaginação, audácia, disponibilidade para prosseguir até mesmo
por tentativas.” (IL 121).
Quais são as qualidades
dum acompanhador? “Quem acompanha é chamado a respeitar o mistério que cada
pessoa possui e a confiar que o Senhor já está a trabalhar nela. O acompanhador
é convidado a estar ciente de que ele representa um modelo que influencia pelo
que é, antes de pelo que faz e propõe. A profunda interação afetiva que é
criada no espaço do acompanhamento espiritual – não por acaso a tradição se
exprime falando de paternidade e maternidade espirituais, portanto duma relação
generativa muito profunda – requer do acompanhante uma sólida formação e
disposição para trabalhar antes de tudo em si mesmo, do ponto de vista
espiritual e, até certo ponto, também psicológico. Somente desse modo ele
poderá estar autenticamente ao serviço, à escuta e no discernimento, e evitar
os riscos mais frequentes do seu papel: tomar o lugar de quem é acompanhado na
busca e na responsabilidade das escolhas, negar ou remover o surgimento de
problemas sexuais e enfim, ultrapassar os limites envolvendo-se de maneira
imprópria e destrutiva com quem está a receber a sua ajuda no caminho
espiritual, até mesmo chegando a verdadeiros abusos e dependências. Quando isso
ocorre, além dos traumas gerados pelas pessoas envolvidas, difunde-se um clima
de desconfiança e medo, o que desestimula a prática do acompanhamento.” (IL 130).
Não é fácil para um jovem descobrir o plano de Deus na
sua vida. Há tantas solicitações, pressões vindas do ambiente social e
familiar, que deixam o jovem desorientado e perdido. Segundo alguns, vivemos
numa “cultura da indecisão”, que considera impossível ou até mesmo insensata a
escolha pela vida (cf. IL 61). Neste
contexto, como fazer para que os nossos jovens possam acertar na vida? Eis
alguns desafios:
- A vocação. Para muitos jovens a “vocação” permanece um termo
meramente inteletual, algo fora de alcance. Não entendem que a vocação é dar
sentido à própria vida, realizar-se, pensam que seja um dom reservado a quem
quer ser padre, religioso ou irmã. A ideia geral de que a vocação é um chamado
não é clara aos jovens, e por isso é necessária uma maior compreensão da
vocação cristã (ao sacerdócio, à vida religiosa, ao apostolado laical, ao
matrimónio e à família, etc.) e do chamado universal à santidade.
- Testemunhos
autênticos. Os jovens pedem testemunhos autênticos: homens e mulheres
capazes de expressar com paixão sua fé e relação com Jesus, e ao mesmo tempo,
de encorajar outros também a se aproximarem, se encontrarem e se apaixonarem
por Jesus. Porquê é tão difícil transmitir hoje a “alegria do Evangelho”?
- O acompanhamento vocacional. Os jovens buscam “companheiros de caminho”, pessoas que
não são santas ou perfeitas, mas “testemunhos vivos”, capazes de evangelizar
através de suas vidas. Devem respeitar a liberdade do processo de discernimento
de um jovem, fornecendo os instrumentos necessários para o cumprimento adequado
deste processo. Um acompanhador deve acreditar de todo o coração na capacidade
que um jovem tem de participar da vida da Igreja. (cf. Documento preparatório, II, 10).
Caros irmãos e irmãs em Cristo, convido-vos a refletir
seriamente sobre este tema e os seus desafios pastorais, a fim de que seja de
facto guia e documento orientador do novo ano pastoral que já começou.
Para todos vós a minha bênção de pastor e os meus votos sinceros
dum bom “novo ano pastoral”!
Bissau, 12 de outubro de 2018
FICHA DE REFLEXAO
Perguntas sobre o 1° ponto (A nova evangelização):
- O que entendo por “nova evangelização”?
- Segundo o seu ponto de vista, a Diocese de Bissau e as
suas estruturas pastorais (vigararias forâneas, comissões, conselhos pastorais)
tomaram à serio o convite do Papa Francisco de “uma conversão pastoral e
missionária”, que se traduz num novo estilo do anúncio do Evangelho, sobretudo
na catequese, nas celebrações dos sacramentos, nas homilias?
- O que estou a fazer para aproximar os que estão longe ou
fora da Igreja?
- Porque as seitas e os novos movimentos religiosos têm
tanto sucesso?
Perguntas sobre o 2° ponto (a fé):
- Que fazer para que o dom da fé possa dar fruto em mim?
Como cultivar a minha fé?
- Quem é Jesus para mim? O encontro com Ele mudou algo na
minha vida?
- A Igreja não é uma instituição velha e ultrapassada? Como
fazer para que Ela recupere a sua credibilidade e a sua autonomia?
- Porque é que o dízimo não está a produzir os efeitos
desejados?
Perguntas sobre o 3° ponto (o discernimento vocacional):
- Os nossos jovens – diz-se – não são capazes de escolhas
radicais, de compromissos definitivos. Está de acordo com esta opinião?
- Quais os critérios que orientam os jovens na escolha da
profissão e em geral do seu futuro?
- Porque é que os jovens têm dificuldade em responder com
generosidade ao chamamento do Senhor?
- Como estamos a acompanhar os nossos jovens? Somos capazes
de propor-lhes grandes ideais, metas ambiciosas?