A caminho do Sínodo diocesano
Pelo p. José Fumagalli
Contributo para o Sínodo a partir da situação Juvenil dos Felupes de Suzana.
Os jovens de hoje em dia não choveram do céu,
mas são fruto de uma cultura, de uma sociedade, de umas situação movediça que
vive o desaparecer de umas certezas e o não aparecimento nítido das que as deveriam
integrar ou substituir
O jovem na cultura felup.
A cultura neste nosso meio identifica-se com
a "tradição" no sentido mais "imobilista" da palavra: "eu
entrego-te o que recebi, possivelmente sem ter mudado nada. Tu agora conformas
tua vida com o que te entreguei e irás entregar aos teus sucessores o mesmo que
recebeste." (De passagem podemos perguntar: E as mudanças? porque é
inegável que tem havido mudanças na maneira de viver, de actuar etc...
Das mudanças assume-se o que convém,
principalmente aos próprios anciãos.
É o esquema mental antigo que prevalece o
qual "metaboliza" qualquer novidade que venha a aparecer: os
resultados desta operação é que podem ser positivos ou negativos conforme ajudam
ou travam o crescimento verdadeiro da comunidade humana e de seus componentes.)
Tradicionalmente no meio Felup o jovem não
conta nada, só é apreciado pela
prestânça física:
- o corpo atlético,
- a habilidade na luta desportiva assim como
em tocar instrumentos musicais.
- um aspecto interessante da força é a sua
aplicação à lavoura: o jovem lavrador e lutador é o máximo.
O jovem não tem direito a pensar e a programar
autonomamente: pode ser mandado levar um recado a uma tabanca longínqua improvisamente, sem ser avisado nem perguntado
pelos seus programas; pega e vai sem discutir: um bocado como um soldado,
apesar de não ser admitido à guerra: ainda não tem filho, se morrer, morreria
todo.
NB. - Um jovem que arranja filho antes do
casamento é automaticamente excluído da luta
desportiva: tem responsabilidade, se se
aleijar seria uma desgraça.
- E' tão importante sua habilidade na luta
que, se não houver substituto em condição de
garantir uma vitória contra outras tabancas, os grandes podem impor-lhe de
adiar o casamento até o sucessor aparecer!
Desde que proclamou a noiva através do seu
padrinho (aruncen au ou ariten au), entra com sua classe
de idade no itinerário de preparação ao casamento, itinerário que leva seis
anos, no sétimo constrói (tèp =criol panga) a casa. E casa, publicamente.
Nesta altura, tradicionalmente, tem 25 anos.
Pertence à classe de idade dos jovens desde os 18 anos, mas ainda não é
perguntado acerca do andamento da tabanca
nem é chamado para os trabalhos comunitários, apanágio dos casados.
É verdade que desde o terceiro ano do
itinerário de preparação ao casamento (o dos Bapend abu, 20-21 anos) é chamado à responsabilidade,
já não é criança e deve prestar contas do seu comportamento; desde o quarto ano
(hungom ahu, 21-22 anos) já é
lutador grande e representa a sua tabanca
também através do seu comportamento: se se comportar mal, não o repreendem só a
ele, mas sim dizem "os de... (nome da tabanca)
se comportam daquela forma".
Já tem uma certa responsabilidade económica:
desde que declarou a bajuda lhe dão
uma porção de terreno a lavrar o Kacàrat aku, que cultivará com a bajuda
(e sua mãe): o arroz é arrecadado; em caso de carestia, pode funcionar como
amortecedor social, mas normalmente fica até ao casamento: a nova família deve
entrar numa casa cheia de arroz, e o primeiro filho deve nascer com um futuro seguro:
casa, família, arroz!
Porém ainda não tem responsabilidade social,
nem que tenha já feito o fanado. A verdadeira iniciação, para o Felupe, não é o
fanado, que é de recentíssima importação, (dos muçulmanos, através do Fogny e
da tabanca de Kahen (Jirak)), mas sim é este itinerário de iniciação ao
casamento.
Quando casar, logo passa a pertencer à classe
dos Ejamor ai, é Ajamor au. O nome vem do radical JAM
(...criol. OBI), na sua forma recíproca jam+or= jamor e quer dizer "entender-se,
concordar". É membro do povo a todos os efeitos, também com a
responsabilidade, e o dever de lhe assegurar o futuro através da geração de
filhos dentro das regras e tradições.
A primeira pessoa com que se devem entender é
a com que casaram. (ver o conteúdo profundo no meu contributo ao sínodo
"Cultura e inculturação" págg. 22-23). Com os jovens não se discute,
mandam-se. Com o casado se pode discutir, faz parte comunidade da tabanca, cuja unidade de medida não é a
pessoa, mas a casa, a família (a paróquia não está muito longe: grego: paroikia, as casas vizinhas que
constituem a paróquia).
Neste esquema tradicional a juventude era
passiva, vivia à margem, só era
introduzida no povo activo não só no plano físico, mas sim com todo seu ser,
através do casamento (repito o fanado está ainda fora de uma colocação
razoável, ainda é elemento “disturbador", só aparece de trinta em trinta anos
e abrange crianças e respectivos pais...; mas este é outro assunto).
Apesar de tudo, pelo menos a partir dos 25
anos, entrava no círculo a seiva nova, o sangue novo dos recém-casados, na flor da idade e já com
uma certa responsabilidade: autorizados a dizer seu parecer.
Com a introdução da escola, e da escola superior,
a idade do casamento deslizou sem que houvesse uma reflexão a acompanhar este
fenómeno.
A SITUAÇÃO ACTUAL ressente muitíssimo da
mudança da sociedade, não acompanhada por uma oportuna reflexão a nível do
mundo dos adultos e dos educadores., compreendendo a escola (e um bocado também
nós da Igreja).
As escolhas morais do jovem, desde menino, foram ditadas por uma
moral "exterior", uma lei não escrita, mas consignada (tradição) e
aplicada pelos membros adultos da comunidade, a que o menino, o adolescente, o
jovem devia estar submisso. A tragédia a que assistimos é que estes rapazinhos
e moças cedo emancipam-se desta submissão,
quer por causa da escola como aprendizagem
"desmitizante", quer porque cedo demais se afastam de suas tabancas e vão à cidadã e para continuar
os estudos e a "rede protetora" desaparece, sem que tenha havido um
trabalho de interiorização, de motivação, afinal de formação duma consciência moral.
As iniciativas dos jovens só estavam no âmbito da brincadeira, sem
consequências (e sem utilidade) para o mundo real, o dos adultos, da tabanca.
Para o que revestia duma certa importância, o
jovem esperava a ordem vinda dum adulto: era duma certa forma, dispensado do
esforço de pensar, imaginar, excogitar algo para o futuro. Pior ainda se se
tratava de algo de novo, de diferente, de não conforme ao que sempre se tinha
feito. As sanções eram terríveis e o posso documentar com lembranças pessoais.
Agora o jovem se encontra num mundo que
mudou, os velhos não lhe podem dar os habituais suportes, porque eles próprios
se encontram desnorteados pelas inúmeras e inesperadas novidades. Houve
tentativas de segurar o leme, à custa de grandes sacrifícios (carregados sobre
os jovens, normalmente) mas tudo acabou por fracassar.
Caíram as leis antigas e não foram suplantadas
por perspectivas novas (ausência culpada também da igreja, nossa?).
O sistema educativo da escola na maioria dos
casos não educa (e-ducere) mas sim
assimila: o aluno é passivo, um manequim para revestir, um balde para encher,
mas com quê, se o próprio professor em muitos casos está mesmo vazio (ou pior,
cheio de vinho desde manhã cedo)? E o aluno depende totalmente dele: falta de
textos, falta de livros: come-se o que o professor cozinhou e mais nada; não há
trabalho de pesquisa e reflexão, ma só de "redacção": resumir e
relatar o que outro pensou: dispensados de ter um pensamento próprio!. Era o
sistema colonial, o do partido único, que passou do fascista ao marxista, mas
sem utilidade nenhuma para o aluno, a nível educativo. Nem que, apesar da
escola, um jovem consiga amadurecer um espírito de iniciativa, o que tem na frente?
Quais as iniciativas realizáveis e rentáveis a nível de vida individual,
familiar e social? Muitos parecem sonhar com uma única iniciativa. A CANOA,
PARA PASSAR O MAR....
Voltando ao ambiente felup, o da minha
missão, a tragédia apresenta-se ainda mais aguda: a idade do casamento deslizou
e quem casa, geralmente resolve fazê-lo em volta dos 37/38 anos ou até mais tarde.
O que quer dizer que a tabanca
priva-se da contribuição, em pensamentos, ideias, perspectivas.... e forças
NOVAS até que seja passada a idade com mais força para produzir algo de novo:
quando o homem já entrou numa fase "descendente" da vida.... Um
suicídio cultural.
Do ponto de vista da pastoral.
Em passado a grande maioria das pessoas que
vinham pedir o caminho cristão era constituída por recém-casados, com um ou
dois filhos; os tais EJAMOR AI que começavam a se dar conta de que deviam construir a
vida sua e de seu povo: já não lhes bastava o que vinha da tradição e vinham pedir
lumes à Palavra de Deus. A maioria das comunidades nasceu desta forma: por isso
é que aguentaram e tiveram "pé" para fazer uma caminhada. Esta camada
de pessoas agora desapareceu socialmente... e o catecumenato ficou sem ninguém!
Simplesmente agora estamos a tornar mais contínuo e propositivo o caminho de
recuperação dos jo-pais, pelo menos
os que ainda são recuperáveis, para ver se se podem investir no envolvimento
dos colegas.
Ma isto é só uma gota no mar. O que deve
mudar é enorme, a nível social, político, educativo, económico etc, Mas é
urgente que quem pode fazer algo, nem que seja mínimo, o faça sem demandar a
iniciativa a outras instâncias.........
CONCRETAMENTE
O que é que a missão de Suzana está fazendo
por sua parte?
- A primeira vertente é a da evangelização.
Procuramos atacar a realidade começando muito
cedo, começando pelas famílias:
- criar um clima de confiança e sinceridade
entre filhos e pais;
- dar exemplo de laboriosidade e seriedade
face à vida de cada dia;
- comprometer-se no diálogo pais-educadores a
nível de escola e de catequese;
- cuidar da formação e da catequese dos
filhos;
- colaborar entre as famílias para garantir
seguimento na educação.
Procurámos articular a administração dos
sacramentos aos filhos dos cristãos num verdadeiro caminho de iniciação, com
participação das famílias e da comunidade, com retiros apropriados quer para as
crianças da primeira Confissão (pedra miliar na formação da consciência moral)
quer para os candidatos aos sacramentos sucessivos, com encontros pessoais
também com o padre. (ver contributo citado pp. 30-34).
Dada a ausencia quase total dos jovens (os
que vão à cidade, nem que fracassem, dificilmente regressam) procuramos
encontros formativos a nível pesssoal humano como religioso, com projecção para
a vida familiar, juntando os das várias comunidades, nem que as counicações nem
sempre sejam fáceis. Muito insistimos napreparação para o Crisma, administrado
a jovens de 18 anos e a moças de 17.
Segunda vertente: promoção humana
Tentámos apoiar a escola do Estado para que
funcionasse menos mal, sobretudo quando os professores eram mal ou nada pagos.
O obstáculo principal: os próprios professores. É criminal garantir-lhes o fim
do mês e não exigir nada em contrapartida! Já não se vai a frente neste
projecto: o Estado paga os professores.
Passamos a integrar os últimos anos que os
alunos, nem que seja em idade jovem, passam por cá, antes de irem à cidade.
Ladeámos a escola com propostas de pequenos trabalhos artesanais rentáveis, ensinados
pelas próprias mães, cursos de máquina de costura, cursos de línguas, cursos de
aritmética-administração, hortas escolares com a intenção de se aplicarem
depois em pequenas iniciativas hortícolas rentáveis, sem serem todos hipnotizados
pelo LICEU, que enche a boca (e as barrigas das meninas! Fizemos umas
estatísticas entre as que foram a Bissau ainda novas durante uns anos: 96% já
tinha arranjado barriga depois de menos de dois anos de estadia em Bissau, com
interrupção da escola. Calculando que os
alunos que vêm do interior são mandados repetir a última classe, mais do que
metade não conseguiu acabar a classe sucessiva!!!).
A finalidade é descobrir inclinações e
aptidões para ver se se aplicam a aprender também trabalhos de que a sociedade
precisa, até com cursos apropriados (CIFAP etc.)
Resposta: além das hortas, em que trabalham
os mais pequenos, os mais crescidos optaram para as línguas: será que preparam
a viagem para as Canárias ou para ... Lampedusa?
Nem por isso: passado o efeito surpresa, os
docentes ficaram sem alunos e presentemente (2017) está tudo parado. Aproveitando
as máquina para pilar arroz angariadas em anos passados e não bem aproveitadas
por falta de jovens que se apliquem a isso, decidimos oferecer toda a estrutura
a um "pool" de jovens, com
trator, máquinas transportadas, a viajarem pelas tabancas a pilar arroz, administração própria, em autonomia. Fora
de Suzana alguém timidamente diz-se disposto a aceitar. Resposta dos jovens de
Suzana:"Ou pe. Zé diz quanto nos paga no fim do mês ou nós não
aceitamos". Não querem iniciativa, não querem arriscar-se: sonham com o relacionamento
"patrão-empregado" o qual deve ter o fim do mês assegurado: as
preocupações são com o patrão". Inaceitável, claro! A Missão não é uma
agência de colocamento de trabalhadores.
Terceira vertente: técnica.
Enfim, perspectivámos o surgir de uma quase
ONG e o arrancar de um projecto teoricamente bem articulado. Com a realização
de comportas em quatro tabancas
conseguimos até hoje facultar o resgate de cerca de 500 hectares de bolanhas. Quem lavra são só velhotes, e
então: envolvemos jovens na iniciativa e alguém (fora de Suzana) respondeu.
Para se conseguir lavrar mais extensão estamos trazendo motocultivadores
Goldoni: por enquanto 4. Serão confiados a uma equipa, os nossos mais outros,
que cuidarão que trabalhem nas bolanhas
recuperadas (com talhões maiores). Com a mecanização da agricultura tencionamos
aliciar jovens que se resolvam a deixar a guarda noturna aos contentores em
Bissau para virem desenvolver sua terra, através da aumentada rizicultura e das
hortas ainda mais potenciadas e estendidas, claro: com iniciativas geridas por
eles, cujo rendimento vai diretamente a eles. O projecto teria três anos de
duração, dos quais o primeiro ano é crucial. Se tudo correr bem deveríamos ter
um notável aumento de produção. Nos anos sucessivos outros hectares resgatados
e lavoura com trator em tempo seco, mais motocultivadores, duas debulhadeiras e
por fim as máquinas descascadoras.
Deveria surgir uma iniciativa agrícola por
cada tabanca, possivelmente
"federadas" se assim escolherem. No entanto ladeamos com iniciativas
de alfabetização e pequenos cursos de administração e de melhoramento de hortas
e campos.
A Missão envolveu-se com o capital de
conhecimentos e de confiança acumulado ao longo dos anos, como também com a
tecnologia que possui para garantir credibilidade ao projecto diante dos financiadores
como também as primeiras realizações no terreno.
O futuro será com eles em auto-gestão, até ao
surgir de verdadeiras empresas agrícolas de sua propriedade e gestão.
Apareceram uns elementos jovens, de várias
comunidades, que para começar se juntaram aos nossos da oficina e já conseguem
realizar uns trabalhos e umas estruturas de forma autónoma. Confiou-se que o
exemplo podia ser seguido por outros em breve. Como se disse este primeiro ano era
crucial, por isso nos investimos duma forma um bocado substancial. A seguir os
padres não deveriam ter mais óneres e a missão até devia poder ter algum
benefício.
Quod erat in votis, diziam os Romanos: era o que a gente
sonhava! A realidade actual é bem diferente! Quem mais dava esperanças,
tendo-se aplicado fortemente e com habilidade, desapareceu... sem que aparecesse
o dinheiro gasto para ele poder trabalhar. Outros pararam sem nada dizer e não
se consegue que peguem outra vez. As máquinas descascadoras estão paradas a
espera que os que conseguimos preparar continuem e... não passem a aumentar o
número dos tais "professores parasitas" da escola, deixando as
máquinas em mãos de gente não preparada que em poucos dias dão cabo delas.
E os motocultivadores? Sempre a mesma
cantiga: a Missão deve assumir, gerir em próprio e pagar: pagá-los para que
aprendam, pagá-los no fim do mês quer trabalhem quer não, sendo o segundo caso
o melhor, que lhes deixa o tempo para sentar a sorver warga nas
"bancadas", a última (?) criatura do diabo: os padres (o padre Zé) é
que devem assumir tudo: eles "não querem problemas nem riscos, só o dinheiro
no fim do mês!
___________________
- Existem iniciativas que tiveram maior
sucesso do que as que acabámos de descrever?
Podem descrevê-las?
- Como conseguir que jovens saiam da cultura
de morte da Warga e da "bancada"? Têm experiências a este respeito?
- O que propõem para estimular o desejo de se
empenharem na aventura de melhorar a vida sua e do próprio País?
- Quais as dificuldades encontradas em ter
respostas positivas pelos jovens? Como conseguiram ultrapassá-las?
Jovens,
- O que é que vocês querem dizer a este
respeito?
- O que é que querem da Igreja, da Missão,
dos padres?
- O que é que oferecem como colaboração, que sempre
reverte à sua vantagem?
- Têm outras iniciativas a propor em que
garantem que se vão empenhar?
Suzana, 09.01.2017
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