PEQUENAS COMUNIDADES VIVAS na vida da Igreja de Bissau.
Pequeno
itinerário histórico
A caminho do Sínodo diocesano
Pelo p. José Fumagalli
1.
A primeira
referência à “comunidade viva” aparece desde a primeira tentativa efectuada na
Diocese de Bissau (que então abrangia toda a Guiné) de encontrar linhas comuns
de pastoral, nem que fosse ainda numa forma “embrional”. Foi um trabalho de
pesquisa e preparação que nos empenhou desde 1984, continuou ao longo de ’85 e
’86 e desembocou na “Primeira Assembleia
(do Pessoal Missionário)” que foi realizada em Bissau de 4 a 7 de Maio de
1987. Naquela altura, quando se falou em como acolher e acompanhar
simpatizantes, pré-catecúmenos e catecúmenos, apareceu-nos como indispensável a
necessidade de se formarem comunidades “sólidas e unidas”, comunidades “vivas”,
que poderiam ser tais só se nelas houvesse a possibilidade concreta de
se estreitarem laços de conhecimento recíproco, apoio mútuo etc. O questionário
que distribuímos tinha como introdução umas citações de documentos da Igreja
universal em que se afirmava a necessidade da dimensão comunitária da
experiência cristã e, a seguir, a realização concreta das comunidades; a saber Ev. Nuntiandi 23, AG 13; EN 47; LG 9; AG 15,
como também OICA 41.
Apresentou-se-nos como praticamente impossível, nomeadamente nas tabancas do interior, a caminhada
isolada dum simpatizante para o Catecumenato, os Sacramentos da iniciação e a
vivência cristã: para fazer frente às “rupturas” e oposições que se verificam
na sua vida concreta neste (da Guiné Bissau) contexto sociocultural, ele
necessita do apoio duma comunidade
viva e unida; estas as qualidades que a tornam capaz de oferecer apoio para
tal caminhada. Por isso dissemos:
a. Que as comunidades existentes sejam
levadas a adquirir tais qualidades (viva e unida), cultivando nos
membros uma fé adulta e a consciência de que são eles próprios os meios de
transmissão da Palavra de Deus.
b. Que, onde se está no início do
trabalho, se enverede desde já por este caminho, cultivando as qualidades
humanas que levam um grupo a se tornar comunidade (estima, aceitação recíproca
entreajuda), dando atenção aos problemas da própria comunidade e tentando
conhecer as famílias dos próprios simpatizantes. (NB: A frase final da
alinha b. precisaria duma especificacão: no caso de serem jovens).
2.
A seguir, em 1990,
empreendémos um trabalho de revisão da nossa atitude pastoral à luz daquelas
primeiras e embrionais ”linhas comuns de pastoral”, concordadas na Assembleia
de 1987 e promulgadas em 1988. O trabalho arrancou em 14.04.1990 e levou a uma segunda Assembleia que teve lugar de 17
a 20 de Junho de 1991. Também desta vez ao longo dos questionários distribuídos
falou-se em como os agentes pastorais se aplicaram a criar “(pequenas)
comunidades vivas” e, no caso, qual foi a utilidade delas quer no processo do
acompanhamento dos catecúmenos quer na vivência cristã dos baptizados e na
irradiação do Evangelho na sociedade.
A assembleia conclusiva dos trabalhos teve lugar de 17 a 20 de Junho de
1991, quando já chegava às nossas mãos a Redemptoris
Missio que no n. 51 fala mesmo nas “comunidades eclesiais de base” como
força de evangelização (cfr. também o n. 48 da mesma RM). Foi assim que no
“Relatório final” da comissão que conduziu este trabalho, documento que serviu
como Instrumentum laboris da
Assembleia que se seguiu, no ponto 2 a página 5 encontramos a passagem seguinte
que fala em “pequenas comunidades vivas”:
“ 2-Entrando mais no vivo do nosso trabalho missionário, o que nos
pareceu polarizar e dar unidade à maioria das propostas e dos
"desiderata" é a preocupação de edificarmos comunidades vivas. A
afirmação é velha: foi um dos primeiros "postulados" da fase
precedente da pesquisa sobre linhas pastorais comuns (cf. LP. II, 1). Mas,
através da experiência destes últimos quatro anos, adquiriu ainda mais força
pelo facto de vermos agora florescer mais carismas, aparecer mais serviços
naquelas que eram então pequeninas comunidades nascentes; o que reforça a
consciência comum de estarmos na fase da "plantatio ecclesiae",
fase que nos interpela a nós todos:
- os cristãos (ou simplesmente "baptizados") de velha data, para
que se dinamizem e
rejuvenesçam;
- os pequenos grupos iniciais ainda em fase de primeiro anúncio ou de
primeira evangelização, para que se animem, vendo à sua frente o caminho aberto
e experiências a que se podem inspirar;
- os que lidam com comunidades em fase de estruturação e de maturação, para
que proporcionem a devida formação e "rodagem" aos portadores de
carismas que nelas surgem: Catequistas, in primis, animadores familiares,
animadores vocacionais, animadores litúrgicos, responsáveis e operadores das
várias actividades educativas, de promoção humana, assistenciais, etc e, por
fim, mas não menos importantes, os Responsáveis de Comunidades, cuja formação
adequada nos permite a nós, padres, freis e irmãs, recuperarmos, ao lado dum
laicado formado, consciente e dinâmico, o nosso lugar específico, respondente
ao carisma que nos é proprio, sem "compendiar",
"resumir" ou melhor "apropriarmonos" de carismas que se
encontram mais à vontade nos próprios leigos. Mais espaço aparece assim para
que surjam e cresçam mais operários para esta vinha, que irão brotando daquilo
que representa a célula fundamental da comunidade como da sociedade e o terreno
privilegiado de cultivo das vocações até "especiais": a Família Cristã,
"lugar particularmente privilegiado para dar a conhecer ao mundo o valor
salvador do Evangelho" (J.P. II, Homilia em Bissau, 27.01.90, n.7).
3-Para que estas comunidades vivas apareçam há uma condição indispensável:
uma formação gradual e séria, que é o Caminho da iniciação cristã dos adultos, indicado
já pelos Padres dos primeiros séculos como "Escola de vida cristã",
de maneira particular na sua parte central, que se refere ao Catecumenato;
porque é na formação catecumenal que são lançadas as bases do futuro cristão,
através duma conversão radical a Cristo e da aceitação da Igreja na sua Missão
de salvação. É a preocupação dos Sectores de pastoral e de todas as Missões da
Guiné, como se depreende pelas respostas aos questionários de revisão como
pelas propostas das Comissões diocesanas mais intimamente ligadas com a acção
pastoral.(cfr. anexo 3)”
Depois de realizada a Assembleia, como se disse de 17 a 20 de Junho de
1991, foi emanado um documento que foi publicado no Caminhos Africanos. Nele, além do mais, eram apresentados “Pontos
para escolhas de prioridades a curto prazo”.
No ponto 1 falava-se em “formação permanente” de todos os agentes da pastoral.
Nos pontos 2 e 3 eis o que se dizia:
“2.Comunidades vivas. Foi reafirmada a
necessidade de criarmos comunidades vivas que saibam viver e caminhar como
Igreja, proporcionando aos idivíduos a possibilidade de realizar sua caminhada
cristã; acha-se necessário que venham também a ser dotadas duma pequena
estrutura interna com responsáveis e demais agentes devidamente formados; por
isso exige-se:
a) Que se formem catequistas adultos residentes nas comunidades ( LP. A,I,4),
com atenção particular à formação permanente sua e dos demais colaboradores, (v.g.
catequistas, animadores familiares, animadores vocacionais, animadores
litúrgicos, responsáveis e operadores das várias actividades educativas, de promoção
humana, assistenciais, etc e, por fim, mas não menos importantes, os Responsáveis
de Comunidades); com algo de estrutural que nos proporcione a possibilidade de
a realizar (p.ex. catequistado, "escola de teologia" a qual pode ter
valor só se tiver um cunho mais aderente à situação, v.g. com formação bíblica,
litúrgica e catequética). Nas propostas da CDC vem, a este respeito, a proposta
de se preparar um "compêndio de textos para formação dos
catequistas".
b) que tenhamos uma atitude de particular discernimento dos carismas que
surgem nos elementos das nossas comunidades, de forma a serem garantidos
serviços, ministérios e liderança necessários à vida e ao desenvolvimento das
Comunidades Cristãs.
c) que se reforce a atenção primária à família cristã como um dos pilares e
célula fundamental da comunidade na sua vida e no seu testemunho na sociedade.
(cf. João P.II, Omilia, 7, Bissau, 27.1.1990).
3.Iniciação Cristã dos Adultos. A consistência e o
futuro das Comunidades, visto estarmos num meio ambiente pagão, em situação de
Igreja nascente, depende em grande parte da seriedade com que se realiza o
itinerário de Iniciação Cristã dos seus elementos, principalmente adultos. Disso
a Igreja nos oferece o ritual e os princípios que o sustentam. Propõe-se:
a) Que a nível dos Sectores e em toda a Diocese se definam linhas comuns
sobre a Iniciação Cristã dos Adultos, nomeadamente no que se refere a -linhas
mestras para o primeiro anúncio e apresentação dos conteúdos doutrinais
- etapas e aquisição dos requisitos, como também aos sinais correspondentes
- estruturação e adaptação dos ritos propostos pelo OICA.
b) que tal trabalho seja feito a partir das experiências feitas e do
material (de carácter linguístico, catequético, litúrgico etc.) recolhido a
nível de Missões e de Sectores.”
Em 14 de Setembro de 1995 saiu a Exortação apostólica pós-sinodal “Ecclesia
in Africa”, na qual, no n.89 se fala também nas “Comunidades eclesiais
vivas” que devem ser “suficientemente pequenas para permitir estreitas relações
humanas”.
3.
Assembleia Diocesana de 25 a 28 de Junho de 1996.
Também esta foi precedida por longo estudo dos “lineamenta” a nível de paróquias e comunidades, estudo que deu
origem a um longo Documento de trabalho (“Instrumentum
laboris”) que recolhe o material organizando-o em 11 Capítulos, o último
dos quais intitula-se: “Pequenas comunidades cristãs na Igreja Família de
Deus”.
Logo no sumário inicial lê-se o seguinte:
“O essencial da vida cristã é viver a fé com autenticidade. A vida
cristã é para ser vivida em comunidade. Por várias razões parece ser necessário
renovar as paróquias. As pequenas comunidades apresentam-se como um dos
processos dessa renovação, uma vez que, pela sua dimensão humana, elas oferecem
melhores condições para serem comunidades viva. A paróquia será, então, uma comunidade
de comunidades. O texto apresenta algumas das características
das pequenaas comunidades e termina por pôr a questão da mudança de mentalidade
e atitudes para se conseguir a adesão à criação de pequenas comunidades”.
Nos números de 456 até 501 é contido o texto do capítulo 11 em que o
assunto das pequenas comunidades vivas è tratado pormenorizadamente. No final
da própria Assembleia, na conclusão publicada no “Caminhos Africanos” segunda
série, ano 8, n° 27 pág 17, fala-se primeiro no Objectivo geral, que è a Igreja
como Família de Deus.
A seguir, entre os objectivos específicos, o primeiro assim reza:
“a. Pequenas
comunidades vivas. A criação e
dinamização de pequenas comunidades vivas que fomentem, dentro do estreitamnto
de relações humanas mais profundas, uma maior autenticidade
da fé, da partilha, da comunhão eclesial e do anúncio do Evangelho”
4.
Assembleia Diocesana de 2001.
É a que deu origem ao “Projecto diocesano de pastoral”, que retoma os objectivos
de 1966 e acrescenta mais dois. No primeiro lugar dos objectivos específicos sempre
vem “A criação e dinamização de pequenas comunidades vivas”. A qualificação de
“cristás” desapareceu do ditado, mas não do conteúdo: quase que se criou umaa
assuefação à linguagem e muitas coisas
ficam sub-entendidas. O risco é que se dê por realizado o que em vez requer
atenção e trabalho contínuos. Entre as acções programadas referentes aos
objectos específicos, a propósito
do objectivo acima apontado vem o seguinte:
“ 7) Despertar nos leigos a consciência da própria vocação cristã e da
sua realização no seio da comunidade, na qual têm um papel a desempenhar e uma responsabilidade
a assumir.
8) Promover a criação de ministérios e serviços nas pequenas comunidades como
forma de fomentar a co-responsabilidade, a partilhaa, a participação e o crescimento
para uma certa autonomia, que manifeste a unidade e a comunhão entre todos os
membros.
9) Publicar subsídios sobre o que são pequenas comunidades vivas, seu processo
de constituição e sua estruturação”.
NB. Se me é permitida uma observação: o discurso foi em direcção mais estrutural,
deixando de lado a urgência missionária e a imprescindibilidade de tais
comunidades num contexto de caminho de iniciação cristã. Deu-se por realizado o
que realizado não era. Até a alinha 9 quase que não teve seguimento nenhum.
5.
Seminários de formação sobre o Ritual da Iniciação Cristã
dos Adultos em vista de concordarmos um
“Directório” para a caminhada inicial. Tiveram lugar em 2005-2006. Logo no
esboço de Directório do pré-catecumenato vem o texto seguinte que se refere à
comunidade viva:
“Na fase que precede o Catecumenado, ou seja o Pré-catecumenado,
sobressai necessidade duma “comunidade
viva”, presente e activa, onde os cristãos testemunham, “provocam”, acolhem e
acompanham os novos membros da comunidade, em harmonia com os responsáveiss, os
catequistas, os acompanhadores (fiadur). Por conseguinte, solicitar e encorajar
este tipo de actividade por parte dos mebros da comunidade, ajuda a própria
comunidade a acordar, a tornar-se mais viva; para que apareça ao recém-chegaado
como a sua nova “família” a que vai
pertencer, família que o acolhe, o identifica e o ampara. (R.I.C.A. 41);
Vade-Mécum para uma renovação da catequese: da conversão inicial à maturidade
na fé 15-16; Linhas comuns de pastoral 1988,III,a,b).”
A este ponto só fica o material da última Assembleia Diocesana de Pastoral,
a de 2008, que também considerou como já assumida a opção para a criação de pequenas
comunidades cristãs vivas e cujos documentos são de domínio comum. Podemos
dizer que entrou a fazer parte do panorama da nossa Igreja, pelo menos quanto a
linguagem. Quanto a actuação e consistência.... posteri videbunt.
Não me resta que desejar que esta recolha de documentos tenha alguma utilidade,
de maneira especial em vésperas do Sínodo: talvez ofereça pistas e lumes para
desvendar um futuro da Igreja "família" onde todos se conhecem, se apreciam
e "carregam cada um os pesos dos outros" como diz Paulo aos Gálatas
(cf. Gál. 6,2) numa solidariedade que brota do Baptismo recebido e assumido.
Suzana
13.01.2017
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